sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Bilionários não existem

Por Régis Antônio Coimbra*

Sim, há bilionários, eu só precisava de um título curto e de impacto. O problema é que eles não têm bens que poderiam ou deveriam ser meus ou teus; eles tem poder que eu e tu concedemos a eles. São, nesse sentido, políticos cujo poder é definido por meio não do voto, mas das escolhas de consumo.

Se há exploração, ela decorre de acertos estatais que impedem essas escolhas. Nesse sentido, há um novo absolutismo, calcado na união do poder de algumas empresas (automobilística, por exemplo) com o estado. O resto são escolhas... estúpidas, algumas, mas escolhas tão livres quanto podem ser as escolhas de pessoas vulgares (para não dizer burras).

Relatórios da Oxfam são mistificações entre veladas e francamente incompetentes. Ou pior: competentes junto ao público a que se destinam, de pessoas "vulgares", ainda que espertinhas, algumas. A própria noção de desigualdade é um tanto misteriosa, embora o termo seja aparentemente autoexplicativo.

De que desigualdade a Oxfam está falando? Qual desigualdade é relevante? Pouco importa se é mais ou menos assim, porque a desigualdade radical não está na ponta dos bilionários, mas dos miseráveis que, pior do que explorados, estão excluídos - não servem nem para ser explorados.

Os bilionários não consomem especialmente mais do que a classe alta. Isso é, o cara com poucos milhões ou o cara com muitos bilhões não tem uma vida especialmente diferente no aspecto do consumo, mas na questão do poder. Eles não têm casas, carros etc que poderiam ser muito melhor distribuídos Se tudo o que eles possuem fosse distribuído, isso provavelmente diminuiria radicalmente o valor... até porque ninguém mais poderia comprar e isso paradoxalmente levaria a uma radical deflação dos preços em questão.

Experimento mental: uma casa de 10 milhões de dólares americanos valeria quanto se fosse para ser dividida por quarenta famílias dessas que moram em imóveis de um milhão de reais? E se for por 80 famílias dessas que moram em imóveis de 500 mil reais? Penso que o valor de uma tal casa não poderia se sustentar nesse contexto e, tanto pior, rapidamente seria fisicamente, como se houvessem abandonado o imóvel. Nesse sentido, a concentração gera grande parte do valor que supostamente usurpa na concepção de alguns.

McCain não sabia quantas casas tinha. Pensou que fossem umas quatro, depois concluiu, com assessores, que eram oito (pelas quais pagava tributos). E o cara sequer é bilionário, é um mero milionário, em grande medida por conta da fortuna da esposa. Pela perspectiva da Oxfam, um bilionário endividado pode ser mais pobre que McCain, que eu ou do tal camponês indiano sem dívidas (até por não ter crédito)... o que é uma análise absurda.

Por outro lado, o tal graduado de Harvard, endividado, de fato tem apenas a força de seu trabalho, diferenciado em todo caso. Dizer que ele é pobre é forçar a barra para dizer que ele não é um capitetalista (por mais arrivista e mercenário que seja), mas um trabalhador (fundindo aqui o trabalhador já não mais proletário com o pequeno burguês das análises marxistas). Ele é pobre porque não tem patrimônio positivo.

Fico imaginando a situação do herdeiro de classe média que renuncia à herança cuja resultante (somando dívidas e bens) é zero ou menor do que zero e do herdeiro de milionário ou de bilionário semelhante. As situações são completamente diferentes porque o patrimônio de "pobre" é principalmente de uso, salvo se for um mercadinho... Já o patrimônio de rico é gerador de renda, e essa é a distinção entre a "classe possuinte" (Marx se refere assim aos burgueses, por vezes) e a dos "trabalhadores".

Mas a fronteira entre os possuintes e os trabalhadores não é tão clara quanto pode parecer. O tal formado em Harvard tem um patrimônio que inclusive pode ser com alguma precisão estimado por um banco, ao lhe conceder um empréstimo. Como uma empresa, ele pode ser avaliado pelo seu potencial de gerar riqueza. Essa cotação é variável, aliás: ao se graduar tem um tamanho; com algum sucesso profissional pode aumentar e muito; com um fracasso pode diminuir.

E de modo muito diverso, um assalariado que contribui para um plano de previdência privado (calcado em capitalização) ou fechado é um tipo de capitalista. O sujeito pode se considerar endividado mas é um poupador ou mesmo investidor (indireto e, pior, sem nem o saber). Uma situação ambígua é a do "contribuinte" (forçado) da previdência estatal geral, que é um credor do estado. Ele também é um poupador, embora o patrimônio do estado possa ser, também, negativo.

Aliás, por essa falácia da metodologia da Oxfam estados nacionais riquíssimos, por um cálculo obviamente mal feito, também são pobres ou devedores. E, daí, volto à imagem: supondo que se tratasse de um reino absolutista, o herdeiro recusaria a herança por ser "negativa"? É claro que se teria de calcular o patrimônio físico do estado e, nisso, o tanto de potenciar de gerar renda... incluindo ironicamente, o povo como parte do patrimônio - os tais recursos humanos, mas num sentido patrimonial forte que torna os súditos literalmente propriedade, o que ironicamente parece ser o entendimento de estados socialistas, que impedem ou tentam impedir cidadãos "valiosos" de os abandonar, notadamente depois de todo o investimento feito neles pelo estado.

Bilionários, então, são como nobres que não tem mais terras nem mesmo bens de produção. O que bilionários tem são as preferências consumidores, preferências duramente disputadas a cada dia. E os consumidores mais valiosos não são outros bilionários, que consomem relativamente pouco (claro que há um mercado específico para isso, mas é irrelevante em comparação com a quantidade de riqueza do mundo). Os consumidores mais valiosos estão no povão, nos Homer Simpson da vida.


*RÉGIS ANTÔNIO COIMBRA é Filósofo e Advogado pela UFRGS. Especialista em Direito e Economia, e Acadêmico da Licenciatura em Dança. Foi Professor na UFRGS no Departamento de Direito Privado e Processo Civil, ministrando aulas na disciplina de Instituições de Direito e, atualmente, é Professor no Colégio Tiradentes da Brigada Militar, ministrando aulas de sociologia. É 1º Vice-Presidente do Movimento Estudantil Liberdade.
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