Sobre as cotas na UFRGS


QUOTAS

Por Régis Antônio Coimbra

(Protocolada em 27 de junho de 2007, às 16h41min no Protocolo Geral da UFRGS, sob o número 23078.014712/07-11)



Às suas excelências, Presidente e Conselheiros do Egrégio Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eu, Régis Antônio Coimbra -, com vínculo ativo junto à UFRGS[1]com o número de cadastro (atualizado com demais dados relativos a estado civil etc) 14438 – venho por meio desse documento manifestar minhas críticas, divergências e contrapropostas em relação ao modelo de ações afirmativas que está sendo priorizado pelo atual projeto de ações afirmativas proposto pela Comissão Especial CEPE[2]/CONSUN[3] bem como ao processo de elaboração e encaminhamento para votação do mesmo neste conselho.

Neste sentido, em caráter preliminar também peço a prorrogação por pelo menos 30 dias do prazo para a recolocação em pauta– a contar da plena publicação na página da UFRGS mediante links em local de destaque – para o amplo e efetivo controle social mediante a manifestação devidamente instruída da comunidade acadêmica e em geral, em face da falta de divulgação e discussão da questão e do projeto (parecer) principal e do projeto (parecer) divergente, em especial sendo de se assinalar a não disponibilidade dos documentos na página da UFRGS.

Isto posto, passo a expor as referidas críticas, divergências e contrapropostas, conforme passo a expor.

I. Apresentação sintética das críticas e divergências ao projeto de Ações Afirmativas elaborado pela Comissão Especial CEPE/CONSUN criada especificamente para esse fim.

1 É urgente a implantação de ações afirmativas pela sociedade brasileira e gaúcha, tendo nisso a UFRGS responsabilidade peculiar. No entanto, o modelo de reserva de vagas (ou “de cotas”) é:

1.1 ineficiente para pobres, pelo caráter paliativo, e com foco primário no ingresso artificial e apenas secundário na permanência (até a conclusão);

1.2 contraproducente para negros, por introduzir ou exacerbar uma percepção de rivalidade racial;

1.3 quantitativamente pouco expressivo se aplicado à UFRGS ou às instituições estatais de ensino superior em geral, conquanto estas representam uma pequena fração das vagas do ensino superior como um todo

1.4 qualitativamente temerário se aplicado à UFRGS ou às instituições estatais de ensino superior em geral, conquanto estas não primam tanto pela excelência do ensino e sim do aprendizado, tendo sua notória excelência calcada na seleção – por sua vez operada pelo atrativo da gratuidade e da reputação de excelência das mesmas combinado com a acirrada competição pelas vagas nos concursos vestibulares – dos alunos com melhores aptidões ou mais favoráveis condições materiais e culturais familiares para a dedicação aos estudos – de tal modo que uma mudança radical (envolvendo 40% do total dos alunos em cada curso) tende a alterar significativamente o perfil dos alunos e dos cursos destas universidades.

2 O projeto da Comissão Especial CEPE/CONSUN de Ações Afirmativas, embora tenha virtudes dentro de sua própria perspectiva, no atual estágio de desenvolvimento está excessivamente deficiente em sua fundamentação – exposição de motivos, a qual foi excessivamente sucinta e parcial – para poder balizar responsável voto favorável mesmo pelos maiores entusiastas da implantação de ações afirmativas deste Conselho.

3 O projeto da Comissão Especial CEPE/CONSUN de Ações Afirmativas, ainda que razoavelmente adequado para os fins da ampliação do acesso e permanência (até a conclusão dos respectivos cursos) de pobres e da diversidade étnico racial na UFRGS, descaracteriza o peculiar perfil de excelência da mesma, sem ter grande impacto no acesso ao ensino superior em geral de pobres e negros, dada sua relevância estar na qualidade e não na quantidade de estudantes e graduados. Assim, em lugar de auxiliar na inclusão social de negros e pobres, encaminha a instituição para a irrelevância, dada a perda de sua distinção típica, a excelência.

4 O encaminhamento do referido projeto para deliberação no CONSUN foi gravemente prejudicado pela falta de informação aos respectivos Conselheiros, por ocasião da reunião que, contra o disposto no artigo 8º. do Regimento Interno deste Conselho[4], foi colocado na pauta inclusive de votação da reunião de 15 de junho de 2007 e careceu de adequada divulgação do texto em questão para o devido controle social, o qual se expressou de modo vicioso por meio de manifestações desinformadas e assim apenas genericamente contrárias ou favoráveis, estas últimas inclusive tendo violentamente (com o uso da força e da intimidação) constrangido os membros do CONSUN, um dos Conselheiros mesmo tendo sido segurado e golpeado no peito ao tentar sair, após o encerramento, o que aponta para significativa imprevisão da administração.

II. Apresentação sintética das contrapropostas ao projeto de Ações Afirmativas elaborado pela Comissão Especial CEPE/CONSUN criada especificamente para esse fim.

1 Em lugar da reserva de vagas para pobres – com foco primário no ingresso artificial no concurso vestibular e secundário na permanência (visando a conclusão) dos alunos que assim ingressarem e em lugar de reserva de vagas para negros, com o mesmo vício da reserva de vagas para pobres e adicionalmente com o vício da contraproducente introdução ou exacerbação da percepção de rivalidade racial:

1.1 o deslocamento do foco para o ingresso “orgânico” (isso é, mediante suporte especial de alunos que apresentem indícios de aptidão no ensino fundamental e médio) de pobres e negros, sem prejuízo à ampla concorrência nos Concursos Vestibulares ou outros sistemas de avaliação de desempenho, bem como (com igual ênfase) na efetivação da necessária assistência estudantil, a qual precisa se sobrepor fortemente à mera gratuidade universal, perversamente desnecessária para muitos alunos dos cursos mais prestigiados e concorridos e não menos perversamente insuficiente para muitos alunos (ou pré-candidatos que acabam desistindo mesmo de concorrer) mais pobres, especialmente dos cursos de relativamente menor prestígio ou, independente disso, de maiores custos, por necessidade de dedicação exclusiva (impedem o concomitante trabalho para subsistência) ou investimento em materiais didáticos não fornecidos pela UFRGS.

1.2 uma ênfase extra do foco acima esboçado para alunos negros pobres;

1.3 um programa especial de integração de alunos negros de qualquer nível econômico no mercado de trabalho;

1.4 a elaboração de estudos voltados para a análise do problema da inclusão e de como o minimizar ou superar mediante distribuição de tarefas diferenciadas para instituições estatais e privadas de ensino superior, bem como para a solução das deficiências do ensino fundamental, médio e preparatório para o vestibular que atende as classes mais carentes de inclusão e, em especial, acesso ao ensino superior bem como de suporte para o concluir.

2 O amadurecimento da discussão da Comissão Especial CEPE/CONSUN para Ações Afirmativas, seja para aperfeiçoar o atual projeto, seja para a elaboração de um novo projeto, em qualquer dos casos o projeto resultante devendo pelo menos receber parecer ou propostas de emendas das Comissões Permanentes do CONSUN previstas no art. 22 do Regimento Interno deste Conselho, preferencialmente também enviando relatório dos trabalhos para eventuais colaborações das Comissões Permanentes. Seja qual for o caminho (aperfeiçoamento do atual projeto ou elaboração de um novo em sentido diverso ou similar), é fundamental que aborde vantagens, desvantagens e impactos (positivos e negativos) de outras experiências que serviram de modelo para se adotar ou evitar, bem como os, dentro do razoável, previsíveis a partir da implantação do projeto que se vier a propor.

3 No caso de se persistir no modelo de reserva de vagas, a fundamentação do projeto deverá, em estreita colaboração das Comissões Permanentes deste Conselho bem como de outras que especiais que possam ser criadas e de toda a comunidade acadêmica – para a adequada ponderação dos Conselheiros no tocante à conveniência, viabilidade e efetiva implantação – explicita, extensa, apontando semelhanças, diferenças e, quando ou conquanto razoavelmente possível, exaustivamente referir-se:

3.1 às experiências de ações afirmativas em instituições similares estatais de nível federal no país (exaustivamente) e aproximadamente equivalentes no exterior, nesta última hipótese incluindo com especial atenção, nesta análise, pelo menos dos casos[5]:

3.1.1 da Bélgica (oportunidades de emprego especiais para imigrantes, portadores de necessidades especiais e idosos);

3.1.2 de Brunei (benefícios especiais para membros da etnia bumiputera);

3.1.3 do Canadá (oportunidades de emprego e acesso à educação para aborígines e outros residentes e ex-residentes dos Territórios do Noroeste – Northwest Territories ou Territoires du Nord-Ouest);

3.1.4 da França (o caso fracassado dos critérios diferenciados em favor dos militares com origem no norte da África no tocante a promoções e licenças e a reserva de 6% nas vagas de trabalho para pessoas com desvantagens, nas empresas com 20 ou mais trabalhadores);

3.1.5 da Alemanha (os programas determinando a preferência para mulheres no caso de empate na disputa de vagas com homens e a Lei Anti-Discriminação – Antidiskriminierungsgesetz; ADG – que visa aumentar a proteção às minorias, em atendimento dos padrões da União Européia);

3.1.6 da Grécia (limites reduzidos para a participação em listas eleitorais na maioria dos processos eleitorais);
3.1.7 da Índia (reservas para posições no governo, empregos e educação para as classes mais baixas e minorias;

3.1.8 da Indonésia (programas de ação afirmativa para nativos da Malásia de etnia pribumi, com preferência desses sobre indonésios e chineses no país*;

3.1.9 do Japão (políticas informais voltadas ao provimento de emprego, previdência e assistência social especiais para membros da etnia burakumin nos municípios);

3.1.10 da Macedônia (reserve de vagas para o acesso às universidades estatais e ao serviço público para minorias e principalmente para albaneses);

3.1.11 da Malásia (o caso da Política Econômica Nacional –National Economic Policy ou NEP -, um dos mais antigos e desenvolvidos programas de ação afirmativa racial, o qual promove mudanças estruturais em vários aspectos da vida, desde a educação à integração econômica, iniciado após as revoltas raciais de 1969 e é especialmente interessante para contraste com o caso brasileiro conquanto voltado para os nativos malaios, que correspondem a 50% da população, contra a minoria de origem chinesa – a qual possui significativo controle sobre a atividade comercial daquele país – e, secundariamente, contra pessoas de origem indiana, bem como pela crítica dos de origem chinesa e indiana de que o NEP promove vantagens injustas aos malaios nativos, diminui a competitividade com os países vizinhos e aprofunda privilégios estruturais não baseados no mérito);

3.1.12 da Nova Zelândia (acesso geralmente preferencial para descendentes dos maori ou outras etnias polinésias a cursos e bolsas universitários);

3.1.13 da Noruega (diretorias de empresas com capital aberto – como as sociedades anônimas de capital aberto, do Direito brasileiro – compostas por mais de 5 membros devem ter pelo menos 40% de mulheres e não ultrapassar 60%, o que afeta aproximadamente 400 empresas);

3.1.14 das Filipinas (onde universidades estatais implementam uma versão modificada de ações afirmativas; na qual escolas de ensino médio privadas e estatais possuem, em complemento às pontuações dos alunos, uma quota de alunos para admissão, de modo a atenuar o quadro no qual a maioria da população universitária era composta por estudantes de famílias ricas e de escolas privadas[6]);

3.1.15 da Eslováquia (o caso em que a corte constitucional declarou, em outubro de 2005, que ações afirmativas, “ao proverem vantagens para pessoas de uma um grupo de minoria étnica ou racial” são inconstitucionais – o que foi visto como uma decisão contrária a ciganos, decorrente das revoltas de famintos em Roma);

3.1.16 da África do Sul (a Lei da Equidade do Emprego –Employment Equity Act – e a Lei do amplo fortalecimento econômico dos Negros – Broad Based Black Economic Empowerment Act -, equivocamente assim nomeada, conquanto visa fortalecer não só a negros mas também pessoa de quaisquer etnias, notadamente mulheres brancas, bem como pessoas com necessidades especiais e das áreas rurais, visando promover a igualdade no mercado de trabalho, mediante um relativamente complexo sistema de pontuação, o qual provê certa flexibilidade na maneira como cada empresa atinge os níveis de representação dos diversos grupos minoritários ou em desvantagem, dos postos mais baixos ao nível da diretoria);

3.1.17 do Sri Lanka (a política de padronização nas universidades do Sri Lanka, introduzido em 1971 como um programa de ação afirmativa para estudantes de áreas com instalações educacionais deficientes, relativo a 200 anos de discriminação pelos colonialistas britânicos, os quais praticaram favoritismo para comunidades cristãs, em desfavor às comunidades da minoria tamil, como parte da política de dividir e conquistar, e que foi parte das razões da guerra civil no Sri Lanka);

3.1.18 da Suécia (o entendimento, pela democracia sueca, das ações afirmativas como uma forma de quase discriminação, injusta apesar de visar o fortalecimento dos direitos dos mais fracos, bem como por enfatizar a identidade das minorias como uma parte separada e diferente da sociedade, o que na prática aumentaria a percepção de fraqueza e as tornaria cada vez pior estigmatizadas por suas assinaladas características);
3.1.19 da Turquia (os programas de ação afirmativa que dão preferência aos búlgaros e outras minorias sobre os turcos nativos);

3.1.20 do Reino Unido (a discriminação positive é ilegal e sistemas seletivos ou de cotas não são permitidos com a singular exceção para o Serviço de Polícia da Irlanda do Norte recrutar igual número de recrutas entre católicos e não católicos);

3.1.21 dos Estados Unidos (ações afirmativas na admissão em escolas, contratações para empregos e contratos governamentais e corporativos, visando beneficiar minorias étnicas em desvantagem, mulheres, pessoas portadoras de necessidades especiais e veteranos de guerra, e tem sido objeto de numerosos casos judiciais e contestadas inclusive em bases constitucionais, tendo sido banidas várias formas de ações afirmativas governamentais nos estados da Califórnia, Michigan e Washington);

3.2 ao impacto previsto sobre o perfil da instituição caso o projeto seja implementado, não apenas referindo os aspectos desejáveis de inclusão e diversificação, mas às diversas modificações do perfil dos alunos, em especial, a respeito dos requisitos para e efetiva assistência aos alunos carentes e com menor preparo desde o ensino fundamental e médio, prevendo e orçando:

3.2.1 as modificações necessárias na didática em salas de aulas, laboratórios e em campo;

3.2.2 a necessidade de aquisição de livros e outros materiais e equipamentos para bibliotecas, laboratórios, trabalhos de campo e para uso pessoal;

3.2.3 a necessidade de criação de bolsas de trabalho e outras formas de possibilitar o sustento do aluno carente trabalhando em meio-expediente junto à UFRGS ou empresas e instituições conveniadas;

3.2.4 as possibilidades de convênios como os referidos no ponto 3.2.3 imediatamente acima;

3.2.5 a necessidade de alojamento para alunos carentes oriundos de localidades distantes do campus ou campi da UFRGS onde são ministrados os respectivos cursos;

3.2.6 a necessidade de fornecimento de refeições total ou parcialmente subsidiadas;

3.2.7 outras medidas relativas à assistência estudantil (incluindo a integração no mercado de trabalho) pertinentes à efetiva viabilização do ingresso e permanência até a conclusão do curso de alunos carentes.

3.3 listar (diante das exemplificativamente arroladas necessidades de mudanças nas estratégias didáticas, distribuição orçamentária dos recursos atuais e requisição de recursos adicionais), as alternativas de fontes de financiamento sustentável, como os recursos adicionais previstos no Decreto nº. 6.096, de 24 de abril de 2007 e outras alternativas de programas pertinentes, não só estatais mas também de instituições privadas, estados estrangeiros, órgãos transnacionais etc.

4 o encaminhamento do projeto ou projetos para este Conselho e a correspondente sessão ou sessões envolverão, no que respectivamente couber:

4.1 ampla e efetiva transparência, com integral publicação em cinco dias, com link em local de destaque na página da UFRGS, de todos os atos pertinentes e relevantes (notadamente os de recusa ou restritivos) das comissões envolvidas e deste Conselho;

4.2 a ampliação do prazo de oito dias previsto no art. 8º. do Regimento Interno deste Conselho para 15 dias, vedada – em face da prevalência da precaução sobre a urgência em matéria de tal gravidade e polêmica – a hipótese do art. 10 do mesmo Regimento;

4.3 garantia do acesso, segurança e condições de trabalho para os conselheiros, que deverão especialmente ter garantia de acesso a banheiros bem como à saída do prédio, livres do risco de constrangimento físico por manifestantes;

4.4 o acompanhamento da sessão ou sessões pelo público mediante sorteio de menos 10 senhas previamente distribuídas entre os interessados e pela transmissão pela Rádio da Universidade;

4.5 outros cuidados no sentido de reforçar a percepção de (e efetiva constatação) de transparência, regularidade e legitimidade do procedimento.

III – Argumentação.

Introdução

São urgentes – e estão mesmo atrasadas – as ações no sentido do que recentemente recebeu amparo inclusive orçamentário com o decreto 6096 de abril de 2007[7]. Este institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o qual visa “criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação”, conforme expresso em seu primeiro artigo.

Nesse sentido há o projeto da Comissão Especial CEPE/CONSUN para Ações Afirmativas, cujo modelo de ações afirmativas calca-se principalmente no sistema de reserva de vagas (cotas totais de 40% sobre o total previsto para o ingresso em cada concurso, para cada curso) para pobres (20%) e para negros (20%). Complementa-se com atenção à permanência até a conclusão do curso dos alunos que assim ingressarem e com a criação de vagas especiais para indígenas.

Trata-se de proposta de impacto e imediata implementação. No entanto, não é tão clara a devida previsão no sentido de sua efetividade bem como de seus custos materiais e institucionais (notadamente sobre a identidade da instituição), bem como de suas repercussões positivas e negativas – pois há que se, primeiro, reconhecer que necessariamente haverá repercussões negativas para num segundo momento verificar se as razoavelmente previsíveis repercussões ou conseqüências positivas as compensarão, ainda que se justifiquem, em tese, por si mesmas, como é o caso da inclusão social e da diversidade.

Neste sentido, ressalvo que o modelo de cotas sociais e raciais esbarra em dois principais problemas que ao menos a princípio não o recomendam – considerando-se o conjunto de deveres inerentes à Administração Pública, relativos aos princípios de prudência, proporcionalidade, razoabilidade e, principalmente, o da eficiência. Além desses problemas, o modelo de cotas sociais e raciais esbarra em severa guinada no caráter desta universidade, de modo que exige especialmente atenta apreciação, com explícita consideração de ponderações essenciais à decisão devidamente fundamentada imprescindível à consistência do ato decisório final deste Conselho a respeito, o que não é contemplado pelo projeto apresentado pela Comissão Especial CEPE/CONSUN para Ações Afirmativas.

Assim, passo a expor quatro argumentações a respeito. Primeiro, sobre a ineficiência do modelo de quotas sociais. Segundo, sobre o caráter não só ineficiente mas também contraproducente das quotas raciais. Terceiro, sobre a severa mudança do caráter desta universidade caso se aprove o atual projeto da Comissão de Ações Afirmativas ou outro fundado no mesmo modelo e semelhante ou maior amplitude. Quarto, sobre falhas no processo de elaboração do projeto atualmente proposto pela já referida Comissão, seu encaminhamento para discussão neste Conselho, bem como nas garantias aos conselheiros e outros interessados ou responsáveis. Cada argumentação será estruturada por uma crítica do problema que aborda e por uma proposta alternativa ou saneadora dos problemas principais encontrados.

Todas as propostas alternativas que seguem, ressalto, são muito menos legítimas (conquanto estritas elaborações individuais minhas) e ao menos supostamente menos consolidadas do que a proposta elaborada pela Comissão de Ações Afirmativas (conquanto elaboradas no exíguo desde a quarta-feira passada, 19 de junho, quando tive acesso ao texto do projeto). Com isso ressalto que o central no que passo a apresentar são as críticas. As propostas alternativas visam principalmente complementar ou esclarecer as críticas, informando o horizonte em que estas se orientaram e que, a princípio, divergem bastante dos horizontes supostamente considerados pela referida Comissão.

Primeira Argumentação: o modelo é intrinsecamente ineficiente.

Crítica

As ditas cotas, sociais ou raciais, são principalmente uma forma tragicamente ineficiente de alocar recursos sabidamente escassos e intrinsecamente valiosos. E assim são principalmente por pretenderem colocar artificialmente pobres e “não brancos” (de fato excluídos) nas instituições estatais de ensino superior, após esses já terem sido amplamente prejudicados pelo ensino fundamental e médio deficiente, seja estatal, seja privado. Isso, aliás, envolve uma problemática opção pelo “remediar” no ensino superior aquilo que não se tem devidamente prevenido no ensino fundamental e médio. Supondo que os recursos são limitados e escassos, o modelo de reserva de vagas implica menores ou estagnados recursos para os níveis fundamental e médio, já que a mudança do perfil dos estudantes da UFRGS[8] torna evidente a necessidade de mais recursos para sua efetividade.

Nesse sentido, sem desconsiderar a necessidade de “remediar” o mal do ensino fundamental e médio deficiente oferecido pela rede estatal e também pela rede privada, o meio escolhido parece duplamente equivocado, conquanto pouco remediará, custando muito e tendo outros efeitos potencialmente negativos. Em especial, sem indicar soluções para o problema principal, relativo ao já referido ensino deficiente nos níveis fundamental e médio, bem como pelo contexto social a isso associado (como a maior ou menor possibilidade de se dedicar aos estudos – na escola em que se estiver – conforme a condição sócio-econômica).

Proposta Alternativa


Em lugar da reserva de vagas para facilitar a entrada com menor desempenho – o que importa colocar artificialmente um aluno menos preparado ocupando as vagas – para pessoas de baixa renda oriundas do ensino estatal (gratuito e, em média, de menor qualidade ou pelo menos menor vocação preparatória para o vestibular), proponho a elaboração e implantação de um modelo que aumente a probabilidade desses alunos entrarem no ensino superior e (como virtuosamente também foca projeto da Comissão de Ações afirmativas) concluírem os cursos. Nesse sentido, diante da cruel falta de foco da UFRGS nesse sentido, há um sem número de ações que aumentariam as possibilidades reais de acesso e permanência até a conclusão para alunos carentes.

Tais medidas, entretanto, tem pouca relevância se tomadas isolada ou sem coordenação. Primeiro, arrolando as medidas mais elementares: a oferta de cursos não só noturnos mas realmente noturnos (sem aulas no horário comercial, por exemplo, como às 18h30min ou aos sábados pelas manhãs); assistência estudantil consistente e focada (bolsas trabalho – inclusive mediante convênios com empresas -, moradia, refeições e material didático).

Pouco adianta formalmente oferecer cursos noturnos, voltados, por óbvio, para permitir o acesso a alunos que precisam trabalhar, se na prática prevalecem conveniências da administração e dos professores sobre as necessidades dos alunos e mesmo presumíveis finalidades dos cursos. E o argumento de que poucos alunos dos cursos noturnos e que precisam trabalhar são prejudicados, conquanto podem negociar horários incorre no severo viés da pré-seleção em tais cursos precisamente de pessoas que assim podem fazer, pois as que não podem, não entram ou, se entram, não permanecem. Ou seja, a escusa é, na verdade, uma trágica expressão do problema em si.

De modo similar, pouco adianta – exceto como vou argumentar adiante, no tocante ao modelo de instituição estatal de ensino superior que certas opções condicionam – o curso ser universalmente gratuito para todos os alunos se por diversas peculiaridades de certos cursos, neles se exige dedicação integral ou mesmo investimentos econômicos significativos em material didático não disponível nas bibliotecas, laboratórios e outras atividades didáticas. Nesses casos pouco sentido há em se oferecer um curso noturno de graduação em Medicina. O fundamental será suprir os meios para sobreviver em dedicação integral e, para tanto, a gratuidade universal é pior que insuficiente, um escárnio para com o aluno pobre (e aqui “pobre” acaba tendo um sentido bastante ampliado ou relativo: simplesmente o aluno que não pode arcar com os custos financeiros e de oportunidade inerentes a cursar Medicina).

E algumas peculiaridades geram problemas especiais. Por exemplo, alunos pobres, oriundos do interior do estado, de localidades onde não há universidades por perto, podem não ter outras opções além da UFRGS para cursar certos cursos. Para tanto não pode haver improviso no tocante ao alojamento desses alunos. Mesmo que sejam relativamente abastados, os custos adicionais com alojamento em pensionato ou outras alternativas pagas pode tornar inviável o projeto de entrar em um curso superior e o concluir.

Note-se que até agora tratei de medidas de inclusão social que não importam novidades radicais, apenas uma ação mais forte, racional e coordenada em atividades em parte já exercidas. Mas há coisas relativamente novas a se fazer também. Por exemplo, uma integração das licenciaturas em um programa de acompanhamento de alunos do ensino médio. Não no sentido de prioritariamente ajudarem alunos com problemas de aprendizado, mas no sentido de estimularem os alunos em geral e em particular aqueles que espontaneamente demonstrem interesse e aptidão para bom aproveitamento no ensino superior.

Isso atenderia, no meu entender, muito melhor à proposta geral de inclusão social no ensino superior do que o modelo das quotas. Envolve, para plena otimização, a revisão de alguns dogmas caducos, como o da gratuidade universal, mas apresenta enorme potencial mesmo mantendo-se alguns vícios cuja superação exigirá mudanças pelas quais não se pode esperar sem fazer nada.

Segunda argumentação: o modelo das quotas raciais é contraproducente no contexto brasileiro.

Crítica

Mais complicado que o da reserva de vagas com base em discriminação social positiva ou compensatória, o problema da discriminação positiva ou compensatória com base na raça envolve o problema da exacerbação de antagonismos raciais. Como ponto de partida, é fundamental reconhecer que há racismo no Brasil. Não se trata apenas de um “ponto de partida” desfavorável desde o gradual processo de esgotamento da escravidão no Brasil, o qual é controverso se culminou na abolição ou se ainda está para ter seu verdadeiro ponto culminante.

Conforme as conclusões do trabalho de RIBEIRO, 2006, “a desigualdade racial nas chances de mobilidade está presente apenas para indivíduos com origem nas classes mais altas. Homens brancos, pardos e pretos com origem nas classes mais baixas têm chances semelhantes de mobilidade social.”[9] Mais precisamente, no tocante à aquisição de escolaridade:

Embora educação seja importante para qualquer tipo de mobilidade ascendente, a desigualdade racial está presente apenas nas chances de mobilidade para o topo da hierarquia de classes. Mais uma vez os resultados comprovam que só há desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente para as classes mais altas hierarquicamente[10].

Conforme o trabalho de Carlos Antônio Costa Ribeiro aponta fortemente, primeiro é relevante considerar que há sim racismo no Brasil. Segundo, que tal racismo influi na mobilidade social de modo significativo precisamente nos níveis mais altos da hierarquia econômico-social. Terceiro, que o sentido dessa discriminação é precisamente a disputa por posições de prestígio e poder, notadamente econômico, mas não apenas.

Antes de prosseguir com a crítica às reserva de vagas ou quotas com base em raça, é pertinente entender como opera o racismo brasileiro. Ele se divide em dois comportamentos distintos.

Um é o do racista que acredita que os não brancos e em especial os negros são inferiores. Com base nesse tipo mais ativo de racismo, negros candidatos a empregos são recusados ou preteridos a outros candidatos brancos de equivalente formação ou capacitação comprovada. Também negros profissionais liberais são preteridos em favor de “equivalentes” (com mesma formação, qualificação etc) brancos. Empréstimos que são concedidos a brancos não o são a negros que apresentam similares condições. Convites para formar sociedades que são feitas a brancos não são feitas a negros. Chamemos essa discriminação de racismo direto.

Outro é o daquele que não acredita que não brancos ou que negros em especial sejam inferiores. Mas, sabendo que não brancos ou negros são discriminados por uma considerável parcela da sociedade, notadamente a com maior poder econômico, prefere não ter funcionários, sócios etc negros. Ainda que não tenha a crença racista, quem age assim reproduz quando não reforça o odioso instituto da discriminação racial. Chamemos essa discriminação de racismo indireto.

No meu entender, o trabalho de Ribeiro não chega a demonstrar ou dimensionar claramente o racismo direto. Assim, feita essa distinção, não me parece seguro afirmar, como ele parece fazer – ou não só pode ser interpretado que faz como já vi ser assim interpretado -, que o racismo atua pelo menos quando se disputam posições de maior prestígio ou poder, itálicos no original, negrito meu:

Os brancos têm mais chances do que os pardos e os pretos de imobilidade no topo da hierarquia de classes, enquanto estes últimos têm mais chances de mobilidade descendente. Ou seja, há desigualdade racial nas oportunidades de mobilidade intergeracional para homens com origem nas classes mais altas. Estes resultados revelam que: a desigualdade de oportunidades está presente no topo da hierarquia de classe, mas não na base desta hierarquia.Esta conclusão nos leva a sugerir que a discriminação racial ocorre principalmente quando posições sociais valorizadas estão em jogo.[11]

É intuitivo que haja, de fato, pelo menos o racismo indireto. Não é inverossímil supor que mesmo um empregador negro prefira contratar um funcionário branco a um negro de mesma qualificação, notadamente se for para uma função que tenha contato direto com o público. Ou, ainda, que mesmo um negro opte por contratar um advogado branco para o representar. Num caso mais trágico, um paciente negro pode preferir, por internalização do racismo, um médico branco ou, também problematicamente, um branco acusado de racismo pode preferir um advogado negro.

O problema disso está na sutileza do fenômeno do racismo. Não há necessidade de ódio racial e nem mesmo uma crença numa natural superioridade ou inferioridade de alguma raça em relação a outra como raça. O racismo pode operar pela constatação de que em média negros são mais pobres, enfrentam condições sociais mais difíceis (e desfavoráveis a obtenção e consolidação de certas habilidades) bem como discriminados. Assim, não é de todo irracional (embora deplorável e trágico), levar em consideração a raça de um candidato a um emprego ou na ocasião de contratar um profissional liberal.

Isso considerado, mesmo que se pretenda prosseguir com o modelo dito de cotas, é necessário rever a dependência das mesmas ao critério social, conforme nos informamos que além do problema social, há um problema racial específico. No entanto, isso de certo será mais crucial para ações afirmativas nas carreiras e empregos estatais, disputados por não brancos de alta escolaridade já consumada, seja mediante quotas nos próprios concursos, seja, como considero mais prudente, mediante bolsas em prestigiados cursos preparatórios para tais concursos.

Voltando à questão do argumento do efeito contraproducente do modelo de quotas, é de se ressaltar que efeito contraproducente se expressa de um modo em relação às estritas quotas sociais (para pobres) e de outro modo em relação às quotas estritamente raciais ou social-raciais, estás não contempladas no projeto oficial da Comissão de Ações Afirmativas. A saber, o grande problema está no potencial de exacerbação dos antagonismos fundados em percepções de raça ou, mais especificamente, de competição viciada por tais percepções.

É de se considerar o fenômeno que ocorre em países onde imigrantes são percebidos como competidores no mercado de trabalho – que ou “roubam” vagas nesse mercado ou pauperizam os salários do mesmo – assustador ressurgimento, acirramento e crescimento de movimentos xenófobos e racistas. O fenômeno é significativo contra imigrantes do leste europeu, mas é especialmente problemático no tocante a asiáticos (notadamente da Turquia) e da África, pela maior facilidade – ainda que sujeita a equívocos – do suporte em percepções de raça para a discriminação. Ser russo pode ser denunciado em parte por certos traços fisionômicos e pelo sotaque. Mas ser turco ou etíope é mais freqüentemente explícito por conta de traços fisionômicos ou em especial pela cor da pele.

Ora, diante da constatação de que há preconceito racial na sociedade brasileira e de que esse se expressa mais forte e tenazmente quando estão em jogo postos de prestígio, dois pontos principais se impõe. Primeiro, é fundamental combater isso, ou trágica e ironicamente essa constatação não faria mais do que reproduzir esse instituto odioso. Segundo, é fundamental usar da prudência, pois o que importa é o resultado desejado, no sentido da redução ou superação desse preconceito e seus efeitos, não sua exacerbação.

Em termos mais concretos, vamos considerar os alunos negros A, B e C, dos quais A entra pela ampla concorrência, B entra pelas reserva de vagas para pobres (por ter estudado apenas em escolas estatais no ensino fundamental e médio, com exceção de uma série que cursou em escola privada no ensino fundamental), e C entra pela reserva de vagas para negros. Vamos considerar também os alunos brancos D, E, F. G, H, I, J, K, L, M, N dos quais D, entra pelo sistema de ampla concorrência, E entra pelo sistema de quotas sociais, e F, e G não entram, embora tivessem pontuação para entrar, não fosse as reservas de vagas para negros e pobres, e os demais – H, I, J, K, L, M e N – atingem pontuação insuficiente para entrar com ou sem a reserva de vagas. O problema é que não apenas F e G tenderão a considerar que tiveram suas vagas “roubadas” por negros ou pobres, mas também H, I, J, K, L, M e N. Para complicar, não distinguirão A, B ou C exceto todos como negros, distintos de D, E, que entraram… e deles mesmos, F, G, H, I, J, K, L, M e N, que não entraram.

Ainda nesse exemplo acima, não creio que venha a ocorrer discriminação racial entre os alunos que entrarem na Universidade. Principalmente em cursos com turmas bem definidas (como Direito e Medicina), o convívio diário tende, a princípio, a favorecer a criação de laços de amizade e, assim, a desejável diversidade racial (e social), enriquecedora principalmente para os brancos. No entanto, pode haver problemas em decorrência da diferença em alguns casos muito grandes da escolaridade formal, das oportunidades de adquirir experiências culturais mais valorizadas ou cobradas no ambiente acadêmico, bem como nas condições materiais para se dedicarem integralmente ou quase integralmente aos estudos (esse último problema, em todo caso, podendo se amenizado por uma efetiva assistência estudantil).

Por outro lado, fora da universidade, mesmo alunos negros que ainda não concorrem a vagas universitárias poderão ser “acusados” de não precisar se dedicar tanto aos estudos, bem como os já em idade para concorrer a vagas na universidade e que não passarem, seja pelo sistema de ampla concorrência, seja pela reserva de vagas, poderão ser “acusados” de não terem passado mesmo com a facilitação representada pelo sistema de quotas (ao qual alguns desses alunos sequer terão recorrido, mas alegações nesse sentido serão facilmente desacreditadas como “desculpa”).

Por mais que seja urgente elaborar e implementar medidas no sentido de minimizar ou superar o racismo brasileiro e seus efeitos, notadamente no tocante à exclusão, não basta agir com boas intenções e entusiasmo. É necessário entender o problema em seu contexto para poder metodicamente elaborar e efetivar sua solução.

Nesse sentido, o modelo das ações afirmativas por quotas raciais, embora possa consolidar uma nova classe média não branca, tem forte potencial contraproducente em face de sua vocação para exacerbar conflitos de interesses (competição por posições de prestígio na sociedade, mediante poder ou dinheiro) complicados por percepções de raça. Mesmo da parte dos “não brancos” isso envolve armadilhas, como o reforço da identidade racial e assim o antagonismo e a auto-segregação.

Da parte mais óbvia, a dos brancos, as quotas raciais fomentam a percepção de rivalidade e, a partir disso, de antagonismo, especialmente perverso conquanto escorado em percepções de raça que tendem a se reforçar diante da percepção de rivalidade e vice-versa – isso é, as percepções de raça tendem a reforçar a percepção de rivalidade, num recíproco e vicioso acirramento, o qual tende a prejudicar aqueles que estão excluídos do poder, notadamente o econômico.

Isto considerado, ressalvo que esta crítica não se aplica ao que foi proposto em relação à inclusão de indígenas pelo projeto da Comissão de Ações Afirmativas. Nesta matéria, o projeto da comissão é ao mesmo tempo cauteloso e vago. Não há suficiente clareza para criticar e, em conseqüência, tampouco para aprovar a proposta no que ela aborda essa questão. A rigor a criação de vagas especiais para indígenas não se caracteriza como reserva de vagas e sim reserva de recursos para a finalidade de integração desses à comunidade acadêmica. O projeto apresentado não discute isso em sua exposição de motivos nem define significativamente como seria em concreto realizado na proposta de resolução.

Proposta Alternativa


Aqui valem todas as alternativas que valem para a inclusão de pobres e uma ressalva: conquanto o problema dos negros que chegam ao ensino superior, como aponta Ribeiro, não é, por óbvio, chegar ao ensino superior e sim completar o primeiro ano e, completando o curso, obter boa colocação no mercado (como empregado, profissional liberal, empresário etc), o foco na entrada de negros em cursos de nível superior se mostra uma prioridade equivocada. O foco deve ser deslocado para a permanência dos negros até a conclusão do curso, bem como na específica orientação para uma boa colocação no mercado do profissional formado.

Todas as ações no sentido de incluir pobres também incidem sobre os negros pobres, conquanto os negros comprovadamente são comuns entre os pobres. Com mais pobres chegando a e concluindo cursos superiores, também mais negros assim chegarão e concluirão.

A diferente urgência em relação a inclusão de brancos pobres em relação a inclusão de negros, pobres ou não, no ensino superior, no que cabe a esta Universidade, permite justificar, entretanto, uma diferença de ênfase de tais ações, justificando-se uma maior atenção (ou, dito de modo mais claro, uma maior alocação de recursos), ressalvada a necessidade permanente de evitar o acirramento da percepção de rivalidade entre brancos e negros.

Principalmente, reconhecendo-se que os maiores obstáculos à integração de negros nos níveis mais altos de prestígio e poder da sociedade brasileira, sendo tais obstáculos fortes em razão direta do prestígio ou poder envolvido, não será criando mecanismos que facilitem a entrada de negros na universidade que se minimizarão ou superarão tais obstáculos. Isso será alcançado oferecendo-se o adequado suporte para que negros consigam entrar no ensino superior em franca e ampla competição com brancos e, então, para que possam concluir seus estudos.

O modelo de quotas, ainda que tenha o apelo de ser drástico, imediatamente visível e, em tese, de implantação relativamente simples, pois o modelo em si já oferece um esboço considerável do que, de novo, deve ser criado e feito, o que envolve ações de executividade algo imediata (em tese, poderia ser implantado o projeto de resolução apresentado pela Comissão de Ações Afirmativas já para o próximo Concurso Vestibular), carece do enraizamento institucional e administrativo recomendável para o efetivo alcance de seu objetivo. Lembrando, as quotas não são um fim mas um meio. O fim é a inclusão social de pobres e negros no ensino superior.

Nesse sentido, se o caráter revolucionário das quotas não tem o condão mágico de efetivar seu objetivo, minha proposta alternativa algo minimalista (conquanto propõe reforçar organicamente meios que em grande parte já fazem parte inclusive do quotidiano desta Universidade, notadamente no tocante à Assistência Estudantil) corre o risco da indefinição. Quanta (com que meios, ênfases, orçamento) assistência aos alunos que já vinculados? Quanto fomento aos alunos do ensino médio ou mesmo fundamental?

De certo que é frustrante rejeitar (ou ter rejeitada) uma proposta de eficácia operacional imediata e retornar para uma discussão sobre projeto ou conjunto de projetos que incidem sobre, principalmente, o que já há. Isso é duplamente incômodo pelo caráter de anticlímax e pelo caráter de auto-crítica intrínsecos.

No tocante a criação de vagas especiais para indígenas, a proposta da Comissão de Ações Afirmativas, com a ressalva de que não se caracteriza como um sistema de reserva de vagas ou quotas, não possui defeitos a serem corrigidos, salvo sua falta de fundamentação e definições específicas. É uma proposta razoável mas que ainda está no nível do esboço, algo como minhas próprias propostas alternativas.

Terceira argumentação: o modelo desfigura a instituição


Crítica

A UFRGS é uma instituição estatal de ensino superior (mas não apenas) que se constituiu historicamente como um centro de excelência em suas áreas de atuação. Isso foi obtido primeiro pelo pioneirismo, segundo por círculos virtuosos de concentração de excelências e, por isso mesmo, atração de novos e excelentes talentos.

Ultimamente, diante da ampliação e mesmo massificação do ensino em todos os níveis, inclusive o superior, manteve a UFRGS seu posto de referência e excelência diante de outras instituições mais ou menos (ou nada) tradicionais, consistentes e qualificadas mediante a inércia de seu prestígio e mediante a pré-seleção dos alunos com maior disciplina ou outras aptidões para o estudo, decorrentes de características idiossincráticas (o talento “natural” excepcional, não determinado pelo treino ou ensino formal), condições sócio-econômico-afetivas (as condições da família) e, intimamente relacionada com esta, a oportunidade de estudar em escolas melhores, de ter aulas particulares ou em cursinhos preparatórios para o vestibular, de participar de atividades culturais mais amplas bem como mais sistematizadas, bem como condições materiais e estímulos valorativos no sentido da dedicação aos estudos e outras atividades culturais, notadamente no campo do esporte e das artes.

É evidente o impacto das condições materiais da família dos alunos nessa qualificação mais que quantitativa, verdadeiramente qualitativa. No entanto isso não explica essa qualidade especial do aluno “médio” ou “típico” da UFRGS, notadamente se considerarmos que alunos de mesmas condições materiais (e, por vezes, do mesmo lar, da mesma família, o que em muito extrapola a consideração estritamente material) não apresentam essa qualidade. Tampouco – embora não seja o essencial nessa argumentação – é fundamental ressalvar que essa qualidade se encontra também em alunos de outras instituições, mesmo as de menor prestígio, tradição etc.

De outra parte, no tocante aos recursos da UFRGS, nisso incluído o cuidado didático por parte dos professores, os recursos das bibliotecas, laboratórios etc, nem sempre são tão excelentes quanto são seus alunos típicos. Ou seja, a excelente qualidade de ensino é pelo menos em parte um equívoco, sendo mais adequado falar em excelente qualidade do aprendizado. Isso é, nem sempre na UFRGS o ensino oferecido pela instituição é tão excelente assim; o que reforça o relativamente excelente desempenho médio dos alunos e egressos da UFRGS é a qualidade de aprendizado ou, mais precisamente ainda, a excelente qualidade dos alunos atualmente típicos.

Com 40% de alunos ingressando por meio de reserva de vagas a partir de 2010 e assim a cada ano até 2018, ter-se-á possivelmente um fenômeno curioso e imprevisível, conquanto entrarão alunos menor preparados e, ao menos a princípio, com menores condições em geral. Não se trata de supor que os alunos que entrarão por meio da reserva de vagas serão menos inteligentes em média. Trata-se de reconhecer que a excelência dos alunos “típicos” atuais da UFRGS é uma muitas vezes decorrência sinérgica de fatores como o talento natural dos alunos combinado com especialmente favoráveis condições econômicas, sociais e culturais das respectivas famílias.

Isso implicará uma desfiguração, numa perspectiva negativa, tanto quanto, numa perspectiva neutra, uma mudança ou, numa perspectiva positiva, uma evolução. Se o entendimento é no sentido de que seria uma evolução, então a questão seguinte é qual o novo perfil desejado. Em especial, essa mudança ou evolução tem potencial para a transformação da UFRGS numa instituição voltada para, em parte, a excelência, em parte a diversidade, em parte à uma nova interpretação da função da gratuidade de seu ensino. Para o aluno que entra na UFRGS pela ampla concorrência em Concurso Vestibular, é a atração dos alunos com melhores aptidões, disciplina e condições sócio-econômico-familiares para o melhor desempenho. Para a instituição, a promoção da diversidade como elemento valioso em si bem como meio para outros bens culturais e institucionais.

Trata-se evidentemente de discussão profunda e drástica, com a qual simpatizo e não acreditava que veria proposta tão cedo em tão alto nível, e muito menos apresentada de modo tão cândido, envolvendo em três ou quatro anos 40% das vagas para ingresso em cada curso. No entanto, por isso mesmo, penso que merece parecer mais bem e amplamente fundamentado, aberto ao debate mediante a plena e efetiva publicidade de seus passos de elaboração não só por parte da Comissão Especial de Ações Afirmativas mas também das cinco Comissões Permanentes do CONSUN, de outros órgãos da própria UFRGS bem como da comunidade universitária e em geral.

Proposta Alternativa


As instituições privadas já atendem a um universo muito mais amplo de alunos em geral, e carentes em especial. Não há que se falar propriamente em carência de vagas em muitos cursos e instituições. Um modelo de ações afirmativas que utilizasse como meio não as caríssimas (afastada a cortina de fumaça gerada pelo instituto da gratuidade) e (o que de modo algum é o mesmo) valiosas e escassas vagas em instituições estatais, mas sim as vagas em regra menos custosas e escassas das instituições privadas teria muito maior probabilidade de ser efetiva (até porque tais instituições, em sintomática distorção do sistema, têm maior prática didática no tocante ao atendimento de alunos carentes e que não se podem dedicar integralmente aos estudos), embora não afastasse outros inconvenientes do modelo de reserva de vagas.

Em todo caso, provavelmente seria mais barato pagar a bolsa de estudo e eventualmente complementar para um aluno carente estudar numa instituição privada do que o custo de uma vaga similar em instituição privada. Nisso uma análise de orçamentos comparativos (incluindo todos os efetivos custos não só diretos da instituição mas gerais da União, como não só os salários mas os custos previdenciários dos respectivos servidores) faz-se urgente, bem como sua mais ampla divulgação, para que a sociedade saiba inclusive o quanto lhe custa cada vaga da UFRGS.

Se há um papel específico que justifica uma instituição como a UFRGS, de certo que não é a assistência social no campo da educação, embora também o modelo atual de severa e sistemática concentração de renda também seja pouco defensável, salvo como meio de atrair alunos especialmente dotados, por constituição ou contexto. Se o caminho for o da assistência social-estudantil, a alternativa mais consistentes seria a conversão do orçamento da UFRGS e similares em bolsas de estudo para alunos carentes ou talentosos em instituições privadas e de incentivo a professores em início de carreira nessas mesmas instituições, bem como para a necessária fiscalização da complexa como que concessão ou parceria público-privada no campo do ensino superior.

Se o caminho for o da excelência, cabe à UFRGS buscar com tenacidade proporcional ao esforço ou sacrifício que o sistema de reservas de vagas importaria a elaboração de projetos viáveis não prioritariamente dentro da UFRGS, mas junto à sociedade, no intercâmbio com órgãos governamentais, empresas, associações etc, com especial foco em escolas privadas e estatais, de todos os níveis. Não é uma solução espetacular (e seu relativo minimalismo – e, nesses termos, vagueza – favorece a postergação e o esquecimento), mas digna e potencialmente mais positivamente efetiva no médio prazo (até 2018, por exemplo).

Quarta argumentação: o processo de elaboração e discussão da proposta foi falho e não está em condições de ser votado.

Crítica

Ressalvadas suas virtudes, o projeto apresentado pela Comissão Especial foi falho na publicidade de seus atos de elaboração e apresentação. O mais elementar recurso de disponibilidade na internet não foi usado e isso acumulou para as vésperas de votação as alternativas de participação e controle social pertinentes.o, sobre falhas no processo de elaboração do projeto atualmente proposto pela já referida Comissão e encaminhamento para discussão neste Conselho.

Para explicitar o problema, contraste-se o que de fato foi feito nesse sentido – no tocante, por exemplo, a composição da comissão, na aceitação ou recusa de indicação de membros – com o que diz Juarez FREITAS ao abordar o princípio publicidade ou da máxima transparência:

No que concerne ao princípio da publicidade ou da máxima transparência, quer este que a Administração Pública aja de modo a nada ocultar, suscitando a participação fiscalizatória da cidadania, na certeza de que nada há, com raras exceções constitucionais, que não deva vir a público. O contrário soaria como negação da essência do Poder em sua feição pública. De fato, e no plano concreto, o Poder somente se legitima se apto a se justificar em face dos seus legítimos titulares, mais do que destinatários.

Dessa maneira, o agente público precisa prestar contas de todos os seus atos e velar para que tudo seja feito com a visibilidade do sol do meio-dia, preservando sua própria reputação, somente se admitindo que não o faça por excepcional e estrita exigência superior do interesse público (v.g., de segurança) ou por ditames da dignidade da pessoa humana. Filosoficamente, o normal é que tudo que não possa vir a público deva ser encarado como suspeito de incorreção, nada havendo que não deva ser, de algum jeito ou em certo tempo, revelado nos regimes democráticos. Não por acaso, a crescente ampliação do acatamento desse princípio denota irretorquível conquista cultural na evolução da idéia de democracia como antítese da opacidade decisória.[12]

Não se trata de, neste momento, materialmente suspeitar dos atos e motivos, mas de reconhecer a falha e a sanar precisamente para que não pese sobre a comissão e seu projeto nenhuma dúvida minimamente verossímil. Aqui a pressa é inimiga da conclusão, uma vez que falhas venais cometidas presumivelmente de boa fé com o intuito de apressar o processo (por exemplo, para que possa valer já para concurso vestibular de 2008, desde fundamentar o pedido por verbas etc) podem alongar ainda mais o processo, conquanto expõe esse a bem fundamentado questionamento administrativo ou judicial.

Proposta Alternativa


A devida transparência e regularidade do procedimento é do interesse da Comissão Especial, da Reitoria (que parece ter pressa na aprovação do projeto) e dos genérica ou especificamente favoráveis ao modelo de reserva de vagas ou ao proposto pela referida Comissão. Não há o que inventar, embora, talvez, adaptar aos recursos contemporâneos, notadamente o acesso à internet, algo já vulgar nos meios universitários – notadamente o da UFRGS – e em crescente processo de popularização em geral.

Na página da UFRGS[13] há, atualmente, um adequado espaço abaixo dos ícones linkados do Agendão, Jornal, Rádio, Clipping, UFRGS TV, Busca, Universia, Livraria e Unimúsica (temporariamente, abaixo desses, há um link para o 2º. Salão de Graduação e 3º. Salão de Educação à Distância), o qual poderia ou deveria ser usado para disponibilizar toda a documentação da Comissão Especial, a íntegra do parecer (projeto) ou pareceres, a agenda do mesmo etc. Por que não colocar ali um link assim inegavelmente bem destacado pelo qual se poderia acessar uma bem organizada página com toda a documentação, datas de reuniões etc da Comissão, estado dos relatórios e estudos, lista de obras consultadas, fichadas etc, atas das reuniões; documentos, propostas, emendas etc encaminhados e quaisquer outros materiais digitais ou digitalizáveis pertinentes ou, ainda que talvez impertinentes, desde que não completamente absurdos, solicitados.

Seria uma solução relativamente simples e barata que, ainda que trouxesse algumas pequenas dores de cabeça relativas à “excessiva” participação durante o curso normal do processo, no entanto evitaria grandes dores de cabeças relativas a necessidade de guinadas extraordinárias no processo ou, tanto pior, à cabal recusa, ainda que por falta de compreensão, de um projeto que poderia ser aprovado se simplesmente. Além disso seria um interessante “projeto piloto” para a busca da mais que formal, efetiva transparência da administração da UFRGS, a qual parece em muitos níveis ter tocado os princípios da transparência, motivação e outros pela supostamente superlegitimadora gestão democrática mediante votações ao etilo estritamente político, adequado apenas, e ainda assim com limites, às casas legislativas em sentido mais estrito.

Referências

Affirmative Action, verbete da wikipedia:http://en.wikipedia.org/wiki/Affirmative_action

COIMBRA, Régis Antônio Coimbra. Publicar – por uma universidade pública, estatal ou não. 2003. Disponível na internet em:http://www.geocities.com/racoimbra/publicar.htm

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. Malheiros Editores, 3ª edição, São Paulo, 2004.


RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. Class, race, and social mobility in Brazil. Dados.,  Rio de Janeiro,  v. 49,  n. 4,  2006.  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582006000400006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21  June  2007.  Pré-publicação.
Porto Alegre, 27 de junho de 2007.
Régis Antônio Coimbra


[1] Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[2] Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão.

[3] Conselho Universitário.


[5] A modesta fonte da lista abaixo é a wikipedia:http://en.wikipedia.org/wiki/Affirmative_action. Ainda que seja uma fonte criticável, sugere uma complexidade e riqueza de fundamentos que é de se lamentar que não tenham sido aprofundados para endossar as opções do projeto da Comissão Especial em seu projeto seja no que aproveitaram, seja no que recusaram ou evitaram com base nas experiências nacionais e internacionais.

[6] Se entendi bem o texto original em inglês da wikipedia, esse modelo se aproxima do que elaborei em 2003 como tese para o congresso da UNE (disponível emhttp://www.geocities.com/racoimbra/publicar.htm):
No ensino fundamental e médio isso deve ser garantido pela oferta de ensino gratuito, estatal ou não (isso é, pago pelo Estado, mas não necessariamente mediante instituições de ensino estatais) para virtualmente todos. Isso pode ser feito como atualmente, mediante impostos. Mas PUBLICAR propõe uma outra alternativa: de cada dez alunos de instituições privadas, um seria isento do pagamento pelo mérito (a melhor nota em um sistema unificado de avaliação a ser instituído) e outro por carência econômica combinado com o mérito (as melhores notas no tal sistema unificado de avaliação a ser instituído depois de obtidas as de puro mérito). Os alunos carentes ou de pais não tão preocupados com a qualidade do ensino (por, por exemplo, confiarem na qualidade do estudante sobre eventuais deficiências da escola, isso é, confiantes na qualidade do aprendizado de seus filhos ou tutelados).


[8] Mudança de um perfil predominante ou (conforme o curso) exclusivamente calcado nas classes médias e altas (que de bom grado suportam a necessidade de aquisição materiais bem como de dedicação integral tacitamente exigida na maioria dos cursos) para um perfil que incluirá pelo menos 20% de alunos pobres – no caso inverossímil de todos os alunos que entrarem pela reserva de vagas para negros serem de classes médias ou altas.

[9] RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. Class, race, and social mobility in Brazil. Dados.,  Rio de Janeiro,  v. 49,  n. 4,  2006, p. 862.

[10] RIBEIRO, p. 864.

[11] RIBEIRO, p.863.

[12] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais.


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