sábado, 21 de janeiro de 2012

Radicalização do Movimento Estudantil

Por Carlos Alberto Brilhante Ustra*

A Verdade Sufocada - a História que a esquerda não quer que o Brasil conheça - 7ª edição

Nesse ano (1968), uma geração, nascida após a Segunda Guerra Mundial, declarou outra batalha, em todo o mundo, contra a sociedade. Parecia que o mundo inclinara-se para a esquerda. Aqueles que tinham dentro de si a semente da violência aproveitaram a oportunidade e a rebeldia para desencadear no Brasil a luta armada.Vários movimentos marcaram o ano, levando muitos jovens à clandestinidade.

Intelectuais e artistas, a maioria burgueses, ricos e desocupados, filosofando nos bares da vida, começaram a tomar ares de revolucionários e, comodamente, passaram, por meio de peças, músicas e artigos, a insuflar os jovens.

O destaque do ano, em matéria de enfrentamento, foi, sem dúvida, o movimento estudantil, apesar de outros movimentos e organizações também buscarem, de forma violenta, a desestabilização do governo, como veremos mais adiante.

A juventude “tocava fogo no mundo”. Eram influências sérias: a revolução chinesa de Mao Tsé Tung; as barricadas de Paris com Cohn-Bendit.

Na América Latina, o movimento estudantil “fervia” no Uruguai e no México; nas matas da Venezuela, Guatemala e Bolívia as guerrilhas com o modelo cubano estavam no auge. E, talvez, a principal influência para os jovens era a figura carismática, de boina com a estrela vermelha, o ar aventureiro, o olhar enigmático, a imagem do guerrilheiro Che Guevara. Já era de se esperar, portanto, que uma juventude “trabalhada” desde seus quinze e dezesseis anos, nas escolas secundárias, partisse para a radicalização.

Naquela época, duas dezenas de organizações subversivo-terroristas atuavam ativamente no movimento estudantil, planejando e dirigindo as manifestações de rua. As mais atuantes eram:

- Ação Popular (AP) - Líderes: Jean Marc van der Weid e Luíz Gonzaga Travassos da Rosa;

- Dissidência da Guanabara (DI/GB) - Líderes: Vladimir Palmeira, Franklin de Souza Martins e Carlos Alberto Vieira Muniz;

- Ala Marighella (futura Ação Libertadora Nacional) - Líder: José Dirceu de Oliveira e Silva; e

- Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) - Líderes: Marco Antônio da Costa Medeiros e Elinor Mendes Brito.

Além dessas, atuavam também com intensidade a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Comando de Libertação Nacional (Colina) - no qual militava ativamente a atual presidente Dilma Rousseff.

Naquele ano, 1968, a bandeira era, entre outras, “Mais verbas para as universidades.”A orientação aos estudantes era para que desafiassem os professores e diretores e se posicionassem com uma definição política. Com isso, uns professores, por desconhecerem a profundidade do movimento, se omitiram, alguns, para não se desmoralizarem, aderiram ao movimento. Outros apenas “escancararam” suas ideologias, insuflando mais a rebeldia dos jovens.

Aos poucos, os estudantes foram radicalizando, passando das manifestações pacíficas às agressões a policiais, usando porretes, atiradeiras, pedras, vidros com ácido sulfúrico, coquetéis “molotov” e armas de fogo.

“...nesse ano, os estudantes enfrentaram a polícia com violência organizada, e em diversas oportunidades puseram em ação as forças repressivas. Em outras palavras, os estudantes provaram na prática, que era possível enfrentar com êxito a repressão.”
(A Esquerda Armada no Brasil 1967/1971 de Antônio Caso, Moraes editores, página 31.)

Em 13 de março de 1968, ocorreram passeatas com depredações de bancos, carros e lojas em São Paulo e dia 14 em Recife.

No dia 28 de março, 500 estudantes de uma passeata organizada pela Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas (AMES), do Rio de Janeiro, reivindicando a melhoria do Restaurante Calabouço, manipulados por Elinor Mendes de Brito, do PCBR, entraram em choque com a polícia. Uma bala perdida, infelizmente, matou o estudante Edson Luiz de Lima Souto, natural de Belém do Pará.

Lamentavelmente, para todos nós, morrera mais um jovem, que tivera seus sonhos usados para proporcionar o que militantes comunistas tanto desejavam: desencadear a indignação popular. Fora feito um mártir estudantil.

O corpo foi levado pelos participantes da manifestação para a Assembléia Legislativa.

No caminho, ao passar em frente à Embaixada dos Estados Unidos, alguns apedrejaram o edifício.

O corpo foi velado por toda a noite, tendo como pano de fundo retratos de Che Guevara e Fidel Castro. Discursos inflamados de políticos e lideranças estudantis encheram a longa e triste noite. O caixão foi coberto com a bandeira brasileira. O enterro reuniu milhares de pessoas que acompanharam o cortejo fúnebre da Cinelândia ao Cemitério São João Batista, gritando palavras de ordem e ostentando faixas, retratos de Che Guevara e bandeiras cubanas. No caminho, os mais exaltados depredaram um carro da Embaixada Norte-Americana e incendiaram uma caminhonete da Aeronáutica.

No dia 4 de abril, 15 padres e mais o vigário geral rezaram uma missa de sétimo dia na igreja da Candelária, centro do Rio de Janeiro. A comoção foi geral e o governo do estado, temendo novos distúrbios, pela primeira vez usou tropas a cavalo para conter manifestações.

Interessante! Para a esquerda as vidas têm valores diferentes... Para um militante, tudo: o clero coeso em orações, a honra, a glória, a bandeira nacional!

Para os que morreram em seu trabalho ou na rua, sem nem saber porque, nada!

O vigia Paulo Macena, um trabalhador, desempenhando sua humilde função, morto pela explosão da bomba no Cine Bruni, colocada como protesto contra a Lei Suplicy; os mortos do Aeroporto de Guararapes - jornalista Edson Régis de Carvalho e almirante Nelson Gomes Fernandes; o sargento Carlos Argemiro; o cabo PM Raymundo de Carvalho Andrade; o fazendeiro José Gonçalves Conceição - Zé Dico; o bancário Ozires Motta Marcondes; Agostinho Ferreira Lima da Marinha Mercante, todos vítimas das ações guerrilheiras ocorridas antes da morte do estudante Edson Luiz, não mereceram velórios em Assembléias Legislativas, nem discursos inflamados, nem a bandeira nacional sobre seus caixões! E, se não fosse a dor de suas famílias e seus amigos, nem mesmo em uma cerimônia religiosa seriam lembrados.

Já nessa época, os direitos humanos e o próprio direito à vida tinham apenas uma direção: a esquerda.

No dia 31 de março ocorreu a segunda passeata pela morte de Edson Luís e em protesto ao quarto aniversário da Contra-Revolução.

Nova tática foi usada. Dezenas de pequenas passeatas saíam de vários pontos do centro do Rio de Janeiro e os participantes, armados de porretes e atiradeiras, depredaram lojas, carros e bancos, chegando ao enfrentamento direto com a Polícia Militar. Saldo: dois civis mortos: David de Souza Meira - funcionário da Companhia de Navegação Costeira -, na Avenida Nilo Peçanha; e Jorge Aprígio de Paula, operário, morto quando um dos grupos de manifestantes tentava invadir a residência do ministro da Guerra, na Rua General Canabarro. Dezenas de policiais ficaram feridos. No início de junho, ainda no Rio de Janeiro, pequenas passeatas em Copacabana e no centro da cidade anunciavam o que teríamos pela frente: as “Jornadas de Junho”.

Cronograma das “Jornadas de Junho”
- 19 de junho - Comandados por Vladimir Palmeira da Dissidência Comunista da Guanabara e presidente da União Metropolitana de Estudantes Secundaristas (UMES), 800 agitadores tentaram, sem sucesso, tomar o Ministério da Educação e Cultura (MEC). Prosseguiram até a Avenida Rio Branco, onde ergueram barricadas e atacaram a polícia. Foi o caos total, o centro da cidade paralisado, dezenas de feridos dos dois lados e três viaturas do Exército incendiadas.

- 20 de junho - 1.500 participantes, entre estudantes e populares, invadiram e ocuparam a Reitoria da Universidade Federal do Rio Janeiro, na Urca, submetendo os professores a constrangimentos e vexames, obrigando-os a sair por um corredor formado por uma massa de agitadores que gritavam palavras de ordem.

- 21 de junho - O centro da cidade do Rio de Janeiro tornou-se um campo de batalha. A violência foi tão brutal que esse dia ficou conhecido na história do movimento estudantil como “Sexta-Feira Sangrenta”. Aproximadamente dez mil pessoas, entre estudantes, populares e muitos infiltrados, incendiaram carros, agrediram motoristas, saquearam lojas e atacaram a tiros a Embaixada Americana e as tropas da Polícia Militar. Saldo da batalha campal: centenas de feridos e quatro mortos, dentre os quais o sargento da Polícia Militar Nelson de Barros e os civis Fernando da Silva Lembo, Manoel Rodrigues Ferreira e Maria Ângela Ribeiro, atingidos por balas perdidas.

- 22 de junho - Dezenas de manifestantes tentaram ocupar, sem sucesso, a universidade de Brasília (UnB).

- 24 de junho - Cerca de 1.500 manifestantes realizaram uma passeata no centro de São Paulo e depredaram a farmácia do Exército, o City Bank e a sede do jornal O Estado de S. Paulo.

- 26 de junho - Ao mesmo tempo em que ocorriam distúrbios estudantis em Belo Horizonte, um carro-bomba era lançado pela VPR e destruía parte do Quartel General do II Exército, matando o soldado Mário Kozel Filho.

Nesse mesmo dia, no Rio de Janeiro, uma passeata, denominada “Passeata dos cem mil”, saiu da Cinelândia, passou pela Candelária e foi até o Palácio Tiradentes (Assembléia Legislativa). Engrossavam a mesma, padres, artistas, intelectuais, professores e operários. As palavras de ordem, as mesmas de sempre. Os líderes comunistas tinham conseguido aglutinar vários setores e partiam para a terceira tentativa de tomada do poder.

- 27 de junho - Uma comissão de organizadores da “Passeata dos cem mil”, composta, dentre outros, por Franklin de Souza Martins, da Dissidência Comunista da Guanabara (DI/GB), e por Marco Antônio da Costa Medeiros, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), foi a Brasília pressionar as autoridades. Não foi recebida. Horas depois, realizou-se uma passeata na cidade, com a presença de aproximadamente mil pessoas, entre estudantes, parlamentares e sacerdotes.

Terminadas as “Jornadas de Junho” as manifestações se reiniciaram:
- 3 de julho - Dezenas de agitadores, portando metralhadoras, fuzis, revólveres e coquetéis “molotov”, ocuparam as Faculdades de Direito, Filosofia e Economia da Universidade de São Paulo (USP), fazendo ameaças de colocação de bombas.

- 4 de julho - No centro do Rio de Janeiro, nova manifestação, a “Passeata dos cinqüenta mil”, foi o ponto culminante da radicalização ideológica. No final da manifestação, postados em frente à Central do Brasil, provocavam os soldados que faziam guarda ao prédio do Ministério do Exército gritando: “só o povo armado derruba a ditadura”.

- 23 de julho - Realizados em São Paulo comícios relâmpagos com a participação de operários de Osasco.

- Em 29 de agosto, tumultos agitaram o interior da UnB, com depredações de salas de aula e disparos de armas de fogo, ocasião em que foi preso o militante da AP, estudante Honestino Guimarães, presidente da Federação de Estudantes Universitários de Brasília (FEUB). Honestino Guimarães consta da lista de desaparecidos políticos até os dias de hoje.

Ainda eram desconhecidas as várias correntes em que a esquerda se havia dividido. Um Sistema de Informações, recém-criado, ainda deficiente, não tinha uma clara percepção do que teríamos pela frente.

Pesquisado pela editoria do site www.averdadesufocada.com

Depoimento de Vladimir Palmeira, líder estudantil a Antonio Caso para o livro a Esquerda Armada - coletânea de depoimentos de militantes da luta armada - 1967 /1971, publicado em Lisboa em 1976 por Moraes Editores:

"O movimento estudantil somente conseguiu sair massivamente às ruas para lutar contra a ditadura, depois de desmistificar ideologicamente a universidade. A partir de então, foi quando realmente tivemos a presença forte nas ruas. E aproveitando uma excepcional conjuntura de apoio da classe média da população, desenvolvemos naquele período, grandes manifestações e pudemos enfrentar com êxito a repressão.

No estado da Guanabara a principal consigna reivindicatória foi esta: "Mais verbas para a Universidade!" Com ela, pudemos reunir todos os estudantes numa greve que se levou a cabo no mês de Junho em todas as universidades do Rio de Janeiro. Mais tarde conseguimos desenvolvê-la em manifestações estudantis contra a política educacional do governo, até convertê-la, finalmente em enormes manifestações populares contra a ditadura.

Nesse ano os estudantes enfrentaram a polícia com a violência organizada, e em diversas oportunidades puseram em ação as forças repressivas. Em outras palavras, os estudantes provocaram, na prática, que era possível enfrentar com êxito a repressão (...)

(...) É importante assinalar que, nessa altura, o movimento estudantil brasileiro já compreendia, com clareza, muitas das suas limitações. Sabia, por exemplo, que não podia tomar o poder; que o seu papel era o de servir a classe operária como um instrumento de luta das camadas médias, tratando de levar uma orientação sempre correta a esses setores da população(...)

(...) Não pretendíamos, com isso, dar uma direção ideológica ou uma orientação política à classe trabalhadora. Não. simplesmente nos limitávamos a ler os manifestos dos companheiros operários de Osasco aos trabalhadores do Rio de janeiro.(...)

(...) Outra coisa importante: já em 1968 não se ouvia mais o palavrório sobre uma luta armada romântica. Desenvolveu-se, no estado da Guanabara, um grande trabalho de educação política da massa estudantil, para impedir que ela visse naquele momento o princípio de uma insurreição popular e para que passasse a ocupar o seu correto posto de combate junto da classe operária na luta pelo poder. Também se fez propaganda sobre a luta armada e a necessidade de formação de um exército guerrilheiro, mas considerando-o unicamente como um instrumento da classe operária para a conquista do poder. (....)

(...) O ano de 1968 marcou, de resto, o aparecimento das ações armadas efetivas da guerrilha urbana brasileira. Realizaram-se, nesse ano, as primeiras expropriações de dinheiro e de armas . Foram feitas por duas organizações: Vanguarda Popular Revolucionária ( VPR ) e Ação Libertadora Nacional ( ALN) . (...)

(...) Devo dizer que, ao organizar uma manifestação, nós tínhamos por hábito anunciar um determinado lugar para a concentração e então , quando a polícia ocupava esse lugar, nós iniciávamos a demonstração noutro local. Isso tinha as suas vantagens, (...)

(...) O caso é que naquele dia, decidimos cumprir a nossa palavra e efetuar a manifestação no local anunciado, custasse o que custasse . escolhemos o Ministério de educação para iniciar a manifestação e, mesmo com a polícia já ocupando o local, quando chegamos, decidimos tomar o edifício à força.

Dividimos os estudantes em três grupos e tentamos tomar a Ministério de assalto. Fomos porém violentamente reprimidos. travou-se uma luta séria . Policiais feridos, estudantes feridos, e não pudemos tomar o edifício. então saímos em manifestação até à Avenida Rio Branco, a principal da cidade, e ali erguemos barricadas e enfrentamos a repressão de forma organizada. pela primeira vez, não era a polícia que avançava contra os estudantes, mas os estudantes que avançavam contra a polícia. A direção estudantil deu a ordem de avançar e de reprimir a polícia com os seus próprios métodos. Os estudantes atacaram os agentes repressivos, obrigando-os a correr e a debandar. em desordem .(...)

(...) Lutamos contra a cavalaria militar e contra a polícia militar e incendiamos dois ou três veículos do exército. Fomos reprimidos brutalmente pelos soldados, mas os danos que sofremos foram mínimos. Alguns estudantes foram presos, mas a manifestação terminou ordenadamente  não sem deixar convocada uma outra para o dia seguinte.(...)

(...)Realizamos uma grande manifestação durante a qual atacamos o edifício da embaixada norte-americana, protestamos contra a repressão e tivemos de ser dispersados a tiros  de espingarda no centro da cidade, na zona conhecida por Cinelândia. Naquele dia a repressão causou doze mortos e numerosos feridos e por isso ficou conhecido em todo o Brasil , como a "sexta-feira sangrenta" (...)

(...) Não há exagero em afirmar-se  que naquela tarde houve uma verdadeira batalha do povo contra a repressão.(...)

(...) Passada a "sexta-feira sangrenta" , convocamos os estudantes  para uma nova manifestação, a meio de uma situação extremamente tensa. Advertimos o governo de que se houvesse repressão tomaríamos a cidade, isto é, que nada faríamos para deter a massa popular e que chegaríamos até ás últimas consequências .(...)

(...) Das grandes manifestações de 1968 foram muitos os jovens que saíram para integrar organizações guerrilheiras urbanas. Nesse sentido, o trabalho político , dentro do movimento estudantil , deu os seus frutos. (...)

(,,,) Durante aquele ano, contudo, a Dissidência Comunista da Guanabara amadureceu e já em janeiro de 1969 saía dos marcos da luta de massas para incorporar-se na luta armada.(...) (...) no que diz respeito ao encaminhamento para a formação de um exército popular que leve a classe operária ao poder, (...) (...) O fato concreto é que , a partir de então, existe no Brasil uma esquerda que faz a revolução com as armas na mão.

*CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA é Coronel reformado do Exército Brasileiro e ex-comandante do DOI/CODI/IIEx de 1970 a 74.

Um comentário:

  1. vcs são sem noção hein?

    publicar um artigo de defesa de um facínora?
    não se trata de esquerda ou direita, se trata de marco civilizatório; se trata de direitos humanos.

    vocês deveriam rever alguns conceitos.

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