segunda-feira, 20 de abril de 2015

A ineficiência do Estado não justifica a escravização de bolsistas

Por Gabriel Afonso Marchesi Lopes*

Tramita no Senado Federal um Projeto de Lei (PLS 224/2012), de autoria do Senador Cristovam Buarque (PDT), que visa obrigar bolsistas (de graduação, pesquisa e extensão) de Universidades Federais a prestarem serviço em estabelecimentos públicos de educação básica, algo equiparável às penalidades que são impostas aos autores de certos ilícitos penais. No caso, o único “crime” dos estudantes seria receber uma ajuda de custo (muito pequena, aliás) do Governo Federal para arcar com suas despesas de graduação, fato por si só, segundo o Senador, suficiente para submetê-los a trabalhos forçados.

Ocorre que, para suprir o déficit de profissionais nos estabelecimentos públicos de educação básica, o correto, coerente e razoável seria o Governo Federal contratar profissionais qualificados (e bem remunerados) para estas instituições ao invés de buscar submeter os bolsistas à serviço impositivo e sem remuneração adicional, em situação análoga a de escravo, a fim de suprir os buracos da falta de investimentos na educação. O projeto que tramita no Senado é um abuso tanto contra os estudantes quanto contra os profissionais da área de educação. A ideia é obrigar os estudantes universitários a darem aulas em escolas públicas, gratuitamente, ao invés de contratar professores para esta função. Em suma, o Senador Critovam pretende revogar a Lei Áurea.

É importante frisar que a finalidade das bolsas acadêmicas, nas áreas de graduação (monitoria), pesquisa (iniciação científica) e extensão, não é ser instrumento para captação de mão-de-obra barata por parte do Governo, mais sim é servir como ferramenta para o estabelecimento de experiências a partir das quais o discente irá aprimorar seus conhecimentos teóricos por meio da integração entre aquilo que é visto em sala de aula e a prática profissional. Dessa forma, o objeto fim da bolsa é o próprio discente.

Ressalte-se que o bolsista não pode ser jamais confundido com um servidor público, pois este executa suas atividades com vista à remuneração dentro de um contrato de trabalho, enquanto que aquele se voluntaria a uma atividade tendo em mente a possibilidade de exercitar o que aprendeu para que, no futuro, venha a ser um profissional melhor.

Além disso, não obstante o caráter voluntário da bolsa, não se pode olvidar o fato de que estamos lidando com uma população jovem e economicamente ativa, que está dedicando horas de seu tempo para a própria formação, mas também para a formação de outras pessoas, no caso das monitorias, para a inovação tecnológica, nas atividades de iniciação científica, e para o fortalecimento dos vínculos entre a Academia e a Sociedade por meio dos projetos e ações de extensão. Assim, considerando que não existe almoço grátis, é importante e justo o pagamento de contrapartida financeira aos bolsistas.

Disso tudo, temos que o Projeto de Lei que que visa obrigar os bolsistas a trabalharem em escolas pública é incoerente e abusivo, pois procura coagir o aluno a trabalhar em algo diferente daquilo que ele se propôs e, mais que isso, é uma forma de utilizar a mão-de-obra barata dos bolsistas para executar tarefas de profissionais que deveriam ser contratados pelo Governo, mas não o são, isto é, na verdade querem tapar as lacunas deixadas pela incompetência estatal.

Portanto, não cabe ao bolsista executar tarefas em escolas públicas, a menos que ele mesmo tenha se proposto à isto, por exemplo através de bolsas PIBID. O déficit dos profissionais no ensino público deve ser suprido através da contratação de pessoal formado e qualificado, que aliás deve ser melhor remunerado e ter mais atenção dos órgãos públicos, assim como os bolsistas também merecem bolsas com valores mais dignos do que os míseros 400 reais que são pagos atualmente (pouco mais de meio salário mínimo).


*GABRIEL AFONSO MARCHESI LOPES é formado em Ciências Atuariais (UFRGS/2007) e em Estatística (UFRGS/2013), com Pós-Graduação em Perícia e Auditoria pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Contabilidade da UFRGS. Atuou como Docente em Probabilidade e Estatística na UFRGS e como Monitor Acadêmico em diversas disciplinas do Departamento de Estatística e do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da UFRGS.

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