sábado, 11 de agosto de 2012

Opressões mais ou menos involuntárias e hipercompensações

Por Régis Antônio Coimbra*

Heterossexuais e brancos não são coitadinhos. Vivemos numa sociedade onde mesmo quando há predominância de negros e grande número de homossexuais, há uma heteronormatividade "branca" e "masculina". O "padrão" ou "normal" é o homem branco heterossexual de classe média. Isso certamente tem um efeito de opressão sobre quem não se aproxima desse padrão, incluindo mulheres, homossexuais, negros etc.

Um homem branco heterossexual de classe média não precisa ser racista ou homofóbico, nem "capitalista explorador malvado" ou algo assim por ter "orgulho" por ser o que ou como é. "Orgulho" no contexto dessa discussão significa muitas coisas entre não ter vergonha e sentir contentamento por ser ou estar tal coisa ou de tal modo.

Não há mérito no sentido de uma conquista pelo esforço em ser homem, branco e heterossexual, mas em nossa cultura é um pouco como estar na hora e lugar certos. Nesse sentido, era talvez melhor ser branco etc há 30 ou 40 anos e certamente era pior ser negro, mulher, gay. Relativizo o "melhor" para os brancos, homens, heterossexuais porque há muito de alienação nessa "normalidade" branca, heterossexual, masculina etc. Pessoas nessa condição tinham "privilégios" que não eram percebidos como privilégios e que envolviam um empobrecimento cultural geral. Nesse sentido, questiono que se beneficiavam e enfatizo que o prejuízo de quem não tinha o status "alfa" não decorria de uma intenção de prejudicar da parte de quem o detinha.

Ressalvo isso para argumentar que é deveras equivocado questionar a heteronormatividade branca, masculina, "burguesa" com uma como que criminalização dessa posição. Há uma sutil mas relevante diferença entre oprimir valendo-se de preconceitos da cultura e usufruir a como que cidadania plena de quem tem os atributos mais valorizados de uma cultura, ainda que sem mérito decorrente do esforço.

É positivo que aqueles pertencentes a "minorias" (aspas porque podem ser numericamente mais numerosos... trata-se de uma questão de reconhecimento, de influência) afirmem seu "orgulho", mas é importante que se entenda que também não há mérito em apenas ser negro, gay ou mulher, embora se possa reconhecer que com tais características ou em tais estados passa geralmente por maiores dificuldades para fazer as mesmas coisas que um homem branco etc. É um pouco como a preferência não só para quem é portador de deficiência física permanente ou irreversível (como um perneta ou idoso), mas também para quem está grávida ou com as articulações do tornozelo e do joelho imobilizadas para corrigir alguma lesão na perna.

As ações afirmativas visam atender as necessidades especiais, inclusive decorrentes de aspectos estritamente culturais, também com impacto não apenas individual inclusive sociais. Não se visa prejudicar os demais, embora os demais possam ser prejudicados, e isso ocorre de modo mais corriqueiro sempre que alguns bens ou serviços associados a faixas de renda ou perfis de consumo são mais pesadamente tributados, ou quando diretamente faixas de renda são diferentemente tributadas. Visa-se dar uma compensação razoável a quem precisa com custos também razoáveis para quem pode arcar.

As discussões a respeito talvez precisem envolver também o questionamento ou denúncia abusos seja de quem tenta manter privilégios indevidos, explorando a inércia cultural (isso é... já que está assim e me beneficia... vamos deixar assim), seja de quem abusa dos esforços coletivos no sentido de uma nova e mais justa e rica organização cultural (na linha "...'vocês' nos oprimiram por séculos... agora vão ter de pagar por isso..."). No entanto, o foco mais interessante é o sobre quais custos precisam ser compensados e quem os pode suportar.

É a sociedade como um todo quem "deve" suportar os custos, mas alguns indivíduos ou grupos tem a capacidade para suportar tais custos. Assim, não se trata de pôr o dedo na cara "do" homem branco, heterossexual e de classe média e dizer que agora ele vai pagar pelos anos de opressão e blá-blá-blá. Mas, claro, oprimidos não são mais justos ou inteligentes só por serem oprimidos. Ao contrário, eventualmente são mais desconfiados ou embrutecidos pelos traumas da vida de opressão etc. Então, assim como alguns brancos heterossexuais de classe média são lamentável, danosa mas compreensivelmente acomodados, alguns oprimidos são lamentável, danosa mas compreensivelmente rancorosos.

É importante não alimentar as posições rancorosas ou acomodadas - e pôr o dedo na cara dos "acomodados" nos seus privilégios é uma forma contraproducente conquanto os coloca numa posição também compreensivelmente defensiva e, lembrando, eles efetivamente tem mais poder e é burrice os transformar em inimigos, quando a rigor são vítimas menos graves da mesma armadilha cultural. Um homem branco, heterossexual e de classe média pode mesmo passar de uma posição inicial de simpatia por um "oprimido" a uma posição defensiva ante abusos efetivamente abusivos de alguns ou mesmo muitos que exageram ao passar das legítimas reivindicações às recriminações "objetivas" - algo como culpar Fulano pelo que supostamente seu avô teria feito.


*RÉGIS ANTÔNIO COIMBRA é filósofo e advogado formado pela UFRGS. Especialista em Direito e Economia e, atualmente, é Acadêmico da Licenciatura em Dança pela UFRGS.

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