quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Livros Proibidos

Por Caco Tirapani

LIVROS PROIBIDOS me atraem. Dizem que o proibido é mais gostoso. Nem sempre. Mas concordo quando se trata de conhecimento proibido. Sabe aqueles livros que a Igreja Católica incluiu em uma lista chamada "index" durante a Idade das Trevas? Então. O problema é que sempre que você proíbe a leitura de alguns autores, estes autores tornam-se, não por outro motivo, mais interessantes. As vezes causa até frustração quando você tem acesso ao texto e descobre que não há ali nenhum conhecimento mágico extraordinário, mas um emaranhado de ideias - algumas geniais - entre erros, superstições e banalidades. Havia muita gente boa listada no "index". Pedro Abelardo. Erasmo. Spinoza. Descartes. Pascal. Voltaire. Locke. Hume. E muita bobagem, claro. Incluindo Galileu, que dizia que o Sol é o centro de Universo - que tolice! todo mundo sabe que o centro da universo é a USP.

A minha trajetória pessoal está repleta de livros proibidos. Cursei o ultimo ano do ensino médio e um colégio protestante, justamente quando tomava gosto pelo proibido. Eu lia sobre cabalah, budismo, e astrologia. Escondido, claro. Um dia me pegaram lendo o Baghavad Gita - que li várias vezes e recomendo a qualquer cristão que o leia. Uma aluna, beata, passou a me interrogar sobre aquilo. Juntou-se uma rodinha. Fiquei, literalmente, contra a parede, tentando explicar que focinho de porco não é tomada. No fundo eu gostei da experiência de ser interrogado no santo ofício. Não vou dizer que me senti ultrajado, acho mesmo é que esses - e outros -debates deveriam ser constantes na formação escolar. Mas não são. O fato é que eu lia tudo escondido, inclusive a Bíblia! Não permitira jamais que os protestantes soubessem que eu lia a Bíblia, seria uma chatice deixar de ser visto como o grande rebelde que eu era. E essa minha disposição à rebeldia sempre deu o tom de minhas leituras.

Na minha graduação não seria diferente. Havia ali também o seu cânon - a lista dos livros que o cabra tem que ler, aceitar e crer com fé. Vai de Marx a Paulo Freire. Os mais heterodoxos caíam no limbo da "Escola de Frankfurt", cantinho de hereges e dissidentes. Eu fui pro outro lado. Fui estudar um assunto cuja infinita bibliografia não aparecia nem tangenciava à bibliografia de meu curso de História. Inicialmente pensei em estudar a Idade Média, mas algo me chamou a atenção na Antiguidade, então fui estudar um troço chamado Cristianismo Primitivo, que é onde não apenas a bibliografia é desconhecida, mas as próprias fontes do assunto foram proibidas durante muito tempo. Eu queria ler os textos apócrifos, e de fato os li - alguns. Evangelho de Tomé, Apocalipse de Pedro, Evangelho de Judas, Evangelho de Felipe, Atos de Nicodemos, e uma porrada de coisas. O mais engraçado: publicados por editoras católicas.

Nenhum dos autores mais importantes que estudam o cristianismo são conhecidos no "nosso" cânon, nem mesmo o marxista e soviético Jacob Lentsman, referência básica para os detratores do cristianismo. Nem sequer Mircea Eliade! que é uma leitura teórica fundamental para gregos e troianos. Por sorte tive um bom orientador. Não que ele soubesse muito sobre o assunto - não há como saber tudo - mas ele tinha um referencial bem mais abrangente do que o cânon marxista impõe. Hoje na universidade o sujeito que passa lendo qualquer coisa que não seja a estrita bibliografia contida no cânon marxista é visto mais ou menos como um alienígena. Imagine o cidadão sentado no banco da faculdade lendo, por exemplo, Maimônides, um filósofo judeu da Idade Média. As pessoas olham pra ele como se ele simplesmente não fizesse parte da realidade. Possivelmente ele olha as pessoas com a mesma impressão.

O mais curioso é que eu comecei a estudar o cristianismo primitivo para provar o absurdo da religião, e não com nenhuma intenção apologética. Mas pra isso eu tinha que ler autores de todas as variedades do espectro ideológico, desde o marxista Jacob Lentsman, até teólogos cristãos conservadores. Entre a ortodoxia cristã e ortodoxia marxista haveria, claro, os heterodoxos. Então passei a lei todo e qualquer autor que se dignasse a falar alguma coisa sobre religião. Elaine Pagels, Rudolph Bultmann, Helmut Koester, Karen Armstrong, Paul Veyne, Werner Jaeger, Bart Ehrman, Geza Verves, Israel Filkestein, Edward Gibbon, Mircea Eliade. Pra mim não haveria livro proibido. Eu tinha a firme convicção de que não era possível produzir qualquer tipo de conhecimento relevante sem essa diversidade de perspectivas.

Foi buscando autores brasileiros que encontrei, casualmente, o Sr Olavo de Carvalho - um filósofo brasileiro de ideias conservadoras. Minha primeira reação aos escritos do Olavo foi a total discordância, mas a admiração pela coerência. O problema é que todo estudante sincero, munido de honestidade intelectual, sabe que é preciso fazer concessões quando se descobre estar errado. Não é ético nem científico sustentar opiniões já provadas equivocadas apenas para manter a ilusão de estar certo. Muita gente prefere isso do que ter que jogar o doutorado no lixo - um dos inconveniente de fazer seu doutorado antes dos 50 anos.

Dizia uma antiga professora da minha graduação: "você pode dizer qualquer bobagem, desde que esteja baseada numa bibliografia". E assim, baseado numa bibliografia de bobagens, as dinastias acadêmicas se perpetuam. Mas eu, infelizmente, não consigo aderir a esse princípio relativista pós-moderno. A verdade continua sendo importante para mim. Por isso, vez ou outra tive que fazer aqui e ali uma concessão a um teólogo cristão que defendia posições bastante lógicas e coerentes - mais no que concerne à moralidade do que a respeito do próprio "objeto" da teologia, que só é filosóficamente perscrutável até certo ponto. Ao mesmo tempo, tive que recusar alguns argumentos meramente estéticos baseados num tipo de autoridade escolástica que os próprios autores anticristãos traziam em seu repertório. Chesterton já demonstrou que o cristianismo é criticado igualmente e ao mesmo tempo por avaliações completamente contraditórias da mesma coisa, e mesmo assim, mutuamente válidas. O que importa é derrubar a moral judaico-cristã.

Eu percebi lendo o Olavo de Carvalho que eu participava da disposição da mentalidade moderna de aceitar como verdadeira qualquer crítica à religião cristã ou judaica (curiosamente não a islâmica, ainda) e a refutar como reacionário qualquer argumento lógico, consequente, e fundamentado do ponto de vista deísta. Eu mesmo era agente de uma agenda que não era minha. Mas nada como estudar - de fato - a história, para entender como a narrativa histórica é construída. A modernidade também tem suas lendas e seus mitos. Foi assim que, de autor proibido em autor proibido, eu me tornei um herege dos tempos modernos, e leitor do Olavo de Carvalho. Aprender com os escritos deste pensador é uma oportunidade que perdem todos aqueles que tem uma dogmática opinião sobre a pessoa sem conhecer qualquer uma de suas ideias.

Da mesma forma que lia o Baghavad Gita escondido dos protestantes, hoje leio O imbecil coletivo ou A filosofia e seu inverso escondidos de meus amigos marxistas - até agora. Quase sempre metia o livro rapidamente na bolsa, ou por baixo de outro livro, para que ninguém percebesse que estava cometendo a terrível heresia de ler o Olavo de Carvalho. Ora, mas por que tanto medo de um professor sexagenário católico? Que mal pode fazer a sua leitura? A verdade é que existe, nos cursos de humanas, toda uma bibliografia que está proibida de ser lida e mencionada. Mais do que isso, está proibida de ser publicada. Seguindo a orientação dos teóricos do marxismo, os livros que entram no país devem ser selecionados pela intelligentsia para que não venham a perverter a cultura, ou melhor, para que não venham a evitar a perversão da cultura. Os professores que entram na sala não podem sequer anunciar suas prerrogativas acadêmicas, seria como desvelar o segredo da alquimia.

É por isso que é tão difícil encontrar em português os livros mais importantes de serem lidos. Algumas coisas começam a ser publicadas agora, com décadas de atraso. Onde estão, por exemplo, os livros de Edmund Burke, Ortega y Gasset, Eric Voegelin, Russel Kirk, von Mises, Isaiah Berlin, Thomas Sowell, Phyllis Schlafly, Paul Johnson, Harold Bloom, Hayek, e Michael Oakshot? É por isso que os pensadores conservadores são imensamente mais eruditos que os luminares da intelectualidade de esquerda. Eles são obrigados a ler, além da ortodoxia marxista, e da escola de Frankfurt, uma enorme gama de autores desconhecidos que só podem ser encontrados em língua estrangeira, ou com muita dificuldade em português de além-mar. Toda essa bibliografia é meticulosamente escondida dos estudantes. E por que? Porque o domínio da cultura passa pelo domínio dos livros que se leem. Este é o novo index da intelectualidade acadêmica. Em breve o cânon cultural brasileiro vai se resumir a Foucault e os pós-modernos. Suspeito que pelo simples motivo de que é mais fácil compreender Deleuze do que Marx quando se está sob o efeito diário da maconha.

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