Por Paulo de Argollo Mendes*
"O projeto é um grande engodo.Não admira que tenha sido tão retumbante fracasso."
O governo brasileiro, não raras vezes, diz uma coisa e escreve outra. É o que estamos vendo na Medida Provisória (MP) 621, que pretende trazer médicos do Exterior. Dizem a presidente, o ministro da Saúde e os veículos oficiais que estão contratando profissionais para áreas carentes.
– A participação dos médicos verbalmente chamada contratação, na verdade (o que está escrito) se dá com escopo de “aperfeiçoamento” a ser efetivado “mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terá componente assistencial mediante integração ensino-serviço” (artigo 8º da MP).
– Não há, pois, qualquer previsão de celebração de um contrato formal de trabalho, com carteira de trabalho assinada e garantia dos mínimos direitos trabalhistas. E tanto não há essa intenção, que o artigo 11 da MP prevê que “as atividades desempenhadas no âmbito do projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza”.
– A forma mais adequada de contratação de médicos pelo poder público é, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o concurso público, com provisão de cargos regida pelo “regime jurídico único” (no caso da União, a Lei 8.112/90). Essa modalidade de contratação garante ao cidadão o status jurídico de servidor público, a dispor, por exemplo, da garantia da estabilidade.
– Contrariamente, no Mais Médicos não há sequer aviso prévio ou pagamento de multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que não é previsto. Mais: existem casos previstos na MP em que o médico pode ser sumariamente desligado pelo prefeito, submetendo-se inclusive à perda das bolsas recebidas no curso da especialização, o que não acontece com vencimentos e salários.
– A “ideia” da vez é um curso de especialização, seara na qual não incidem direitos trabalhistas fundamentais como férias, 13º, adicional de insalubridade, adicional noturno, horas extras e outros tantos devidos a qualquer trabalhador. O único direito previsto na MP é o de descanso mediante gozo de recesso de 30 dias consecutivos, o qual não se confunde com o direito a “férias”, previsto na Constituição Federal aos trabalhadores em geral, pois esse é acrescido de um terço do salário e pode ser convertido em indenização caso não tenha sido gozado nos termos e prazos da lei, o que não se verifica naquele.
– O engodo da especialização é tamanho, que o “título” a ser obtido pelo médico não pode ser registrado no Conselho Regional de Medicina, pois “atenção básica pelo SUS” não é reconhecida como especialidade médica.
– O curso de especialização “terá prazo de até três anos e só será prorrogável (e uma única vez) caso ofertadas outras modalidades de formação, conforme definido em ato conjunto dos ministros da Educação e da Saúde (artigo 8º, parágrafo 1º da MP)”.
O projeto, como se vê, é um grande engodo. Não admira que tenha sido tão retumbante fracasso, não conseguindo atrair médicos, pelo menos do chamado “mundo livre”.
*PAULO DE ARGOLLO MENDES é médico e presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS)
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