sábado, 5 de julho de 2014

Comentários sobre as cotas racistas

Por João Francisco Winckler*

Eu costumo ver três argumentos a favor das cotas raciais, em especial, cotas raciais para ingresso em universidades: o argumento da reparação histórica, o argumento do combate ao racismo, e o argumento da desigualdade de condições. Vou comentar um por um.

1- REPARAÇÃO HISTÓRICA
Numa época em que o grupo dos ex-escravos e seus descendentes é facilmente identificável, não é absurdo pensar em reparar escravos recém-libertos. Mas não é o caso do Brasil do século XXI. Do fim da escravidão até os dias de hoje, a miscigenação foi muito grande. É difícil saber quem tem apenas ascendência escrava, e o quanto a ascendência de cada um é escrava. Portanto, é difícil saber quem merece reparação.

Descendentes de escravos e de senhores de escravos merecem reparação? E descendentes de escravos e de não-escravos que não foram senhores de escravos? E descendentes de escravos e de capitães-do-mato? E ricos descendentes de escravos? Um programa decente de reparação histórica deve considerar todas essas complicações, e seus beneficiários devem ser definidos através de documentos que provam sua ascendência escrava, e não por cor de pele.

Além disso, por que a reparação deve se dar necessariamente por cotas nas universidades? Universidades servem para formar profissionais qualificados e para a realização de pesquisas. Transformar centros de ensino e pesquisa em meros instrumentos políticos a serem manejados de acordo com a vontade de um comando central é uma péssima ideia. Devemos prezar pela autonomia das universidades, até porque nunca sabemos quem estará no governo amanhã, nem o que futuros governantes vão querer que as universidades sejam.

2- COMBATE AO RACISMO
Só pode haver racismo se existir a ideia de que características físicas determinam outras características pessoais. Portanto, para combater o racismo, é preciso se opor à distribuição de direitos com base na cor da pele. Ao invés disso, movimentos de esquerda tentam reforçar a noção de que no Brasil existem "raças" em conflito, contrariando a tendência de enfraquecimento dessas ideias racistas na sociedade.

O racismo contra negros no Brasil está ligado a condições econômicas. Preconceitos contra pessoas pobres são "emprestados" a pessoas negras, porque negros tendem a ser mais pobres, por reflexo da escravidão. Portanto, a crescente miscigenação, que "dissolve" melanina por toda a sociedade, e o desenvolvimento econômico, devido ao que nos resta de capitalismo, apontam claramente para a tendência de enfraquecimento do racismo na sociedade.

Nossa população é cada vez mais parda e as condições econômicas são cada vez mais parecidas. Enquanto ricos compram SmarTVs 3D de 50 polegadas, metade das pessoas das nossas favelas têm aparelhos muito parecidos, um pouco menores e com menos recursos, que nenhum senhor de escravos do século XIX sonhava em ter. A Coca-Cola que um bilionário compra é a mesma que operários de construção civil bebem no almoço.

É fácil notar que hoje em dia a própria sociedade civil retalia atitudes racistas contra negros. Depois de séculos de escravidão de negros e do total desamparo aos escravos recém libertos, temos uma sociedade integrada e sem conflitos raciais, que inclusive reage a manifestações de racismo que procuram rebaixar pessoas negras por sua cor. Se tornou comum até mesmo que pessoas vejam racismo onde não tem. Para que isso acontecesse, não foi necessário que houvesse cotas raciais, cotas sociais, nem nada disso

3- IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
As chances de passar no vestibular não estão relacionadas à cor da pele dos candidatos. Estão relacionadas a outros fatores, como acesso ao ensino, qualidade do ensino a que se teve acesso, inteligência, capacidade de memorização, esforço pessoal, etc. Se as cotas visam a igualdade de condições de passar no vestibular, devem adotar critérios que tenham relação com as chances de aprovação, e cor de pele não é um deles.

De qualquer forma, sonhar com igualdade de oportunidades é bobagem.

Se fala em igualdade de oportunidades para quê? Oportunidades não existem por si mesmas, são oportunidades para alguma coisa. As pessoas têm objetivos e preferências diferentes. Estas preferências e valorações são pessoais e subjetivas, não podendo ser medidas ou colocadas em uma escala oficial de comparação. Cada pessoa tem seus sonhos, seus planos de vida, e mede por conta própria o que vale mais a pena ser feito. Um adolescente pode sonhar em ser jogador de futebol, mas ter a precaução de dividir seu tempo entre treinos e estudos sabendo que pode não ser aceito em grandes clubes.

Se o objetivo é a igualdade de oportunidades de passar no vestibular, é preciso considerar os seguintes fatores:

- as pessoas têm características diferentes intrinsecamente ligadas à capacidade de atingir seus objetivos. Algumas são talentosas no que gostam e outras não são; algumas são inteligentes e outras não são; algumas deixam fatores externos atrapalharem a busca pela realização de seus objetivos, enquanto outras nem tanto; algumas são mais esforçadas, e outras são menos esforçadas. E por aí vai;

- algumas pessoas preferem ciências exatas, e outras gostam mais de ciências humanas. Algumas pessoas têm melhor desempenho em ciências exatas, e outras têm maior facilidade em ciências humanas. Alguns cursos são mais concorridos do que outros cursos. Alguns vestibulares são mais exigentes do que outros. Portanto, nem mesmo uma só pessoa têm chances iguais de passar no vestibular de Engenharia Elétrica e no vestibular de História da Arte. Não tem nem ao menos as mesmas chances de passar em Medicina na UFRGS que tem de passar em Medicina na ULBRA;

- cada pessoa passa por situações únicas durante a vida e lida com elas de forma única, de acordo com sua personalidade, inteligência, preferências, experiência, e aptidões em geral, que também são únicas. Acontecimentos da vida de uma pessoa podem favorecer ou desfavorecer a busca dela pela realização de seus objetivos. A forma como uma pessoa lida com as situações pelas quais passa também podem favorecer ou desfavorecer a busca dela pela realização dos seus objetivos.


*JOÃO FRANCISCO WINCKLER é acadêmico de administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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