terça-feira, 23 de setembro de 2014

Carta aberta a Luciana Genro: Eu aceito o desafio e estudei o socialismo


“Você não consegue comida chinesa delivery na China e charutos cubanos são racionados em Cuba. Isso é tudo o que você precisa saber sobre comunismo.”- P. J. O’Rourke

Luciana Genro, candidata do icônico PSOL à presidência, com menos de 1% das intenções de voto, foi entrevistada no programa The Noite, apresentado por Danilo Gentili.

Genro foi perguntada por Gentili e por Roger e Bacalhau, da banda Ultraje a Rigor, sobre a questão do socialismo defendido por Luciana. Roger afirmou que as experiências socialistas “já mataram mais de 80 milhões de pessoas no mundo”, e Luciana obtemperou: “Não! Não seguiam. Coitado do Marx! Ele se revirara na tumba cada vez que falavam o nome dele”. Danilo rebateu: “Que homem horrível para se comunicar então, não acertou uma…”

O caldo engrossou mesmo e ganhou destaque absoluto por mais de 24 horas nas redes sociais quando Luciana quis afirmar que Danilo Gentili, que morava numa periferia pobre em Santo André, não aceita o totalitarismo socialista por ser rico, e que é o capitalismo que gera misérias como o Holodomor: “Só acha que sim porque tu tá em uma situação privilegiada. Se tu tivesse na ocupação que visitei hoje, morando em um barraco, tu ia achar que ele fracassou também”, completou. Danilo afirmou: “Eu ia é estar sendo fuzilado se fosse comunista!”.

A “resposta” da candidata presidencial, que não parece conviver muito bem com a idéia de que alguém sob sua jurisdição não aceite a religião socialista, foi tergiversante e agressiva: “Isso não é comunismo, Danilo. Se tu estudasse um pouco mais ia conhecer o assunto”, fuzilou (um site que comentou a quizomba e afirmou o tempo todo que “Luciana teve que se impor para desmentir as informações equivocadas” cometeu o ato falho de descrever que neste momento Genro “disparou”).

Luciana Genro, a candidata famosa por a) ninguém se preocupar em lhe perguntar alguma coisa em debates eleitorais enquanto não for obrigado a tal; e b) falar “capital financeiro” como substantivo, adjetivo, verbo, vocativo, aposto, conjunção e locução adverbial a cada 20 segundos, pratica o vomitório de clichês de que o socialismo real, paradoxalmente, é irreal e não existe.

O socialismo real seria lindo, tudo seria perfeito, seria uma espécie de Paraíso muçulmano sem precisar expor a rabadilha na direção oposta a Meca 3 vezes por dia. O problema é que o socialismo real é o socialismo que é, ehrr, real: o que existiu seguindo os preceitos de Karl Marx na União Soviética e depois na China ou no Zimbábue, em Cuba ou no Afeganistão, gerando sempre a mesma miséria.

Mas segundo Luciana Genro, “se estudássemos um pouco mais, íamos (sic) conhecer o assunto”. Pois bem, cara Luciana Genro, engraçado você falar isso. Porque não tem assunto que tenha estudado mais nos últimos tempos e nessas greves intermináveis na USP promovidas pelo seu partido do que o socialismo. Talvez seja a hora de a senhora estudar um pouco mais o assunto com quem gostaria de estudar tragédia grega, mas é forçado a estudar comunismo para conseguir enfrentar grevistas comunistas do seu partido trancando portas autoritariamente.

Estudando socialismo-comunismo: um guia para Luciana Genro

“Eu cresci sob o comunismo então nós apenas podíamos aprender russo, e então quando o comunismo caiu em 1989 nós pudemos aprender um pouco mais de coisas e tivemos autonomia para viajar e liberdade de expressão – e a liberdade para sonhar, de verdade.”- Petra Nemcova

É algo perigoso, cara Luciana Genro: não canso de afirmar, sem nunca ser rebatido com um único exemplo, que só existem pessoas que eram socialistas, ou mesmo apenas de esquerda por que nunca leram gente crítica dessas ideias – e exatamente por isso, crê que não se é socialista/esquerdista apenas por, como a senhora crê religiosamente ao falar de Danilo Gentili, que são ricos com medo de perder “privilégios” – esquecendo-se de que Danilo Gentili e tantos outros eram pobres de marré de si e ascenderam na vida, ao contrário da senhora, que foi bem nascida e continua rica.

Pelo contrário: estudiosos do socialismo e da esquerda abundam, e são todos críticos. Pior: a maior parte deles eram como a senhora: de esquerda, mas tentaram aprender mais sobre essa esquerda. CATAPIMBA! No decorrer dos estudos, viraram todos críticos mordazes do comunismo e da esquerda.

Eric Voegelin, talvez o maior filósofo do séc. XX, passou fome para estudar, tinha as unhas amareladas e mal feitas, fumava charutos mata-rato. Mas foi duvidando de que o motor da história é a “luta de classes” (nunca existiu em lugar nenhum do mundo, e mesmo na Revolução Francesa, onde parece ter “eclodido”, foi forçada e obra da burguesia, como revela François Guizot, o maior estudioso da Revolução) que Eric Voegelin começou a engastar no cânone sua estupenda filosofia, onde teve de estudar dos hieróglifos egípcios até as novidades da psicologia e da linguística para formar um todo coerente.

E que tal Eric Hoffer, talvez o maior crítico dos movimentos de massa do mundo que seu partido tanto fomenta (na verdade, a senhora bem sabe que o PSOL não tem outra função além de fazer mobilizações de rua, já que o que mais conseguem em eleições é tomar nosso dinheiro para o fundo partidário, né?), junto a Ortega y Gasset? Estivador, dormia em estações de trem e teve como trabalho mais limpo ser garçom num porto. Auto-didata, estudava de noite obras que iam dos grandes clássicos da teoria política desde a Antigüidade pré-clássica até relatos sobre a China da revolução maoísta recém-inaugurada. Como Voegelin, e como todos os críticos do socialismo, odiava o socialismo e sua vertente nacional-socialista.

Talvez você não saiba porque tu precise estudar um pouco sobre o assunto, Luciana Genro, mas foi Adolf Hitler que disse que “se nós somos socialistas, nós precisamos ser anti-semitas. Como, sendo um socialista, você pode não ser anti-semita?”, como está na capa do livro The Lost Literature of Socialism, de George Watson, que aparentemente a senhora não estudou.

Danilo Gentili também era um pé-rapado, Luciana Genro, e não caía nessa conversa. Estudou por conta e hoje é um ferrenho anti-comunista. Eu também, Luciana Genro, morava em quebradas como Itaquera, Itaim Paulista e na minha infância só visitava lugares como Osasco, Diadema, Ermelino Matarazzo, Jardim Danfer ou Calmon Viana, onde a senhora só pisa com a comitiva do seu partido ou acaba sendo assaltada. Como meu ídolo Thomas Sowell, ortodoxamente conservador e tão adensado na cultura negra que até seus poucos anos nem sabia que amarelo podia ser uma cor de cabelo – e de passado marxista.

O problema maior, Luciana Genro, é que nunca vi o contrário: alguém que era anti-comunista ou anti-esquerda e, de repente, se tornou esquerdista lendo mais sobre o assunto. Prova é que vocês, comunistas/esquerdistas, nunca ouviram falar nem nos maiores e mais básicos clássicos do pensamento anti-esquerda, seja liberal ou conservador.

O caminho inverso nunca foi trilhado: nunca houve quem estudasse críticos da esquerda e do socialismo e concluísse: “poxa, o melhor é ser de esquerda!”. Vide a patética tentativa de um “Dicionário Crítico do Pensamento de Direita”. A saída para continuar sendo de esquerda é tascar menosprezo por intelectuais peso-pesadíssimo que vão de Peter Schiff a David Stove, de Russell Kirk a Roger Scruton, e não os ler nem tentar contra-argumentar seus escritos.

De Bernard Lonergan a David Horowitz (um dos criadores da new left, e hoje o maior orador conservador e denunciador dos crimes da esquerda na América, que conta como teve de brigar com a família inteira por largar a esquerda na sua auto-biografia O Filho Radical), de Edmund Burke a René Girard, de Mário Ferreira dos Santos a Mark Levin, a norma inapelavelmente inescapável é que qualquer pensador não-esquerdista é proibido para os esquerdistas, pois quem começa a lê-los tem medo de virar direitista.

Isto não é revelador tanto do motivo de seu medo – temos melhores argumentos – quanto do método da esquerda, que é sempre a força, a proibição, a coação (quando não pode usar os dois primeiros) e a busca de uma hegemonia de pensamento único? Como diz Ann Coulter, “se esquerdistas gostam, é subsidiado; se não gostam, é proibido”.

Não são vocês os “socialistas científicos” contra os “utópicos”?

“Mesmo agora nós sentimentos que Stalin foi devotado ao comunismo, ele era um marxista, e isto não pode e não deve ser negado.”- Nikita Khrushchev

É um clichê muito típico afirmar que o “socialismo real” não é o socialismo que vocês, socialistas, pregam. É o mesmo que um nazista afirmando que o nazismo “real” é ruim, portanto ele, sim, que é um verdadeiro nazista. A falácia do “escocês verdadeiro”.

É uma inversão típica: o socialismo real é o que acontece na realidade. O socialismo ideal pode ser lindo – como também o é o capitalismo ideal, ou na cabeça de alguns dementes, o fascismo ideal. Como todas as coisas ideais, têm a característica de não existir. O problema é a experiência real destas coisas: concreta, dura, muitas vezes pontiaguda.

Como levar a sério algo que só consegue ser defendido no terreno puro das idéias platônicas, sem nenhum contato com a realidade, hagiograficamente virginal a qualquer aplicação? Não é melhor então votar em pastores evangélicos, místicos ou cartomantes do que em socialistas? Certamente acertam muito mais.

A senhora diz que Marx foi “deturpado”. Ora, a experiência real garante que, na União Soviética, Marx deturpa você. Mesmo admitindo que fosse assim, quer dizer que Lenin traiu Marx? Que pena, deu azar. Aí veio Stalin! E Stalin também traiu Marx? Caramba, coincidência. Mas com Mao daria certo! De novo deturpou? Poxa vida, estamos mesmo azarados. Vamos tentar na Coréia do Norte com Kim Il-sung! Mais uma vez? Que tal na Romênia com Ceaușescu? Cuba com Che e Fidel? Vietnã com Ho Chi Minh? Alemanha Oriental com Walter Ulbricht? Zimbábue com Robert Mugabe? Iraque com Saddam Hussein? Camboja com Pol-Pot? Afeganistão com Muhammad Taraki? Venezuela com Chávez? Uganda com Idi Amin? Albânia com Enver Hoxha, o cara que proibiu até a barba? Etiópia com Mengistu Haile Mariam? Bengala Ocidental com Jyoti Basu? Sérvia e Iugoslávia com Slobodan Milošević, o cara que fez a “limpeza étnica” mais brutal da Europa pós-Hitler, para vocês que juram que nacional-socialismo nada tem a ver com socialismo? TODOS ELES deturparam Marx, só vocês do PSOL sabem o que é marxismo de verdade?!

A senhora andaria num modelo de avião que caiu nas 100 vezes em que tentou levantar vôo, se alguém garantisse que agora vai, candidata? E nem comento da sua “dialética” em afirmar tal paneleirice e a um só tempo posar de punho levantado a la mensaleira em Cuba, diante de um retrato de Che Guevara.

Para começar, se acredita tanto que os países que fuzilam não são comunistas, talvez você tenha pulado as origens do socialismo. Afora experiências como as Robert Owen, Saint-Simon, Enfantin, Fourier etc, tão bem descritas por Edmund Wilson em Rumo à Estação Finlândia, a melhor história do pensamento socialista até a Revolução (e o autor, veja a senhora!, era trotskysta quando escreveu o livro, e poucos anos depois era o maior crítico literário conservador do mundo de então!), urge pular estes “utópicos” (como se Marx não o fosse, afinal, a senhora acredita que tudo o que ele escreveu não foi aplicado! ainda é utopia!) e voltar ao que Engels e Marx eles próprios diziam:

1) Dentre todas as nações e naçõezinhas da Áustria, apenas três foram portadoras do progresso, intervieram ativamente na História e ainda são capazes de se manter vivas – os alemães, os poloneses e os húngaros. Esses povos são, portanto, revolucionários.

Quanto aos demais grandes ou pequenos povos ou nações [da Áustria], estes têm agora a missão de perecer na tempestade revolucionária mundial. São agora, por isso, contrarrevolucionários. (Friedrich Engels, Der magyarische Kampf, in “Neue Rheinische Zeitung”, nº 194, de 13 de janeiro de 1849, p. 168)

http://www.mlwerke.de/me/me06/me06_165.htm
………
Original: Unter allen den Nationen und Natiönchen Östreichs sind nur drei, die die Träger des Fortschritts waren, die aktiv in die Geschichte eingegriffen haben, die noch jetzt lebensfähig sind – die Deutschen, die Polen, die Magyaren. Daher sind sie jetzt revolutionär.
Alle andern großen und kleinen Stämme und Völker haben zunächst die Mission, im revolutionären Weltsturm unterzugehen. Daher sind sie jetzt kontrerevolutionär.
_________________

2) Portanto, luta, “luta impiedosa de vida ou morte” contra o eslavismo traidor da revolução; luta de aniquilação e terrorismo implacável – não no interesse da Alemanha, mas no interesse da revolução!(Friedrich Engels, Der demokratische Panslawismus, in “Neue Rheinische Zeitung”, nº 222 de 15 de fevereiro de 1849, p. 286)

http://www.mlwerke.de/me/me06/me06_270.htm
……
Original: Dann Kampf, “unerbittlichen Kampf auf Leben und Tod” mit dem revolutionsverräterischen Slawentum; Vernichtungskampf und rücksichtslosen Terrorismus – nicht im Interesse Deutschlands, sondern im Interesse der Revolution!

Isto sem falar num manancial inesgotável de impropérios que Karl Marx usava para se referir a “ser humano” (cachorro, Hund, em suas cartas com Engels, era o mais higiênico) e contra todos os povos que achava que deveriam perecer na Revolução. Há muitas citações falsas, como a do “Holocausto revolucionário”, mas a coisa não melhora muito quando vemos como Marx defendia até mesmo o imperialismo prussiano contra franceses.

Boa parte das diatribes do homem que queria trazer o reinado de Lúcifer na Terra (são palavras dele) também é compilada em Requiem for Marx, organizada por Yuri Maltsev (veja só, Luciana! um cara que trabalhou como economista da Academia Soviética de Ciências, e que por isso contou todos os podres da “medicina socialista de primeiro mundo” antes de o Mais Médicos expô-los a quem não acreditava! e hoje editor de livros contra a pobreza, através do capitalismo!).

Aparentemente a senhora precisa estudar o que Danilo Gentili e nós, liberais-conservadores, estudamos anos antes da senhora. A senhora chega com a farinha, nós já temos todo o bolo.

Então, como não concluir que nações que praticaram democídio, o assassinato da população civil pelo governo, na feliz expressão do professor Rudolph Rummel (indicado ao Nobel da Paz e lembrado por seu falecimento recente no Memorial das Vítimas do Comunismo), como sendo comunistas e marxistas?

Quando Lenin confisca a produção de grãos e a redistribui a partir de um aparato burocrático central, não está sendo comunista? Quando pratica o Holodomor, o genocídio de mais de 4 milhões de ucranianos de fome para puni-los por serem “contra-revolucionários” (ou seja, não darem todos os grãos que produziram aos burocratas que não o produzem, e querem tomá-los à força, na primeira reforma agrária do século XX), não está agindo como Marx prescreveu? E não é o modelo educacional centralizado que você prega que faz com que Holodomor nunca caia no vestibular, e seja completamente desconhecido do Brasil? Que tal “estudar um pouco o assunto”, candidata?

Como o velho Marx, que não reconheceu a filha que teve com a empregada (!) e levou duas filhas ao suicídio, e o velho Engels, que dava festas para seu próprio bigode (sic), virariam no túmulo com isso? Foi escrito por eles!

Não apenas o socialismo existiu – o comunismo também existiu e existe.

“Comunismo é um terço prática e dois terços explicação.”- Will Rogers

Voltemos a Karl Marx, que a senhora garante que foi “deturpado”. Lá pelo final do capítulo 3 d’O Capital, Marx explica como será a transição da fase socialista – o totalitarismo estatal pior do que o nazismo – para o comunismo, a sociedade “sem Estado”. Ora, em apenas um parágrafo e meio de tergiversação, o menino-que-queria-ser-Lúcifer explica que, na verdade, a idéia de uma fase social “sem Estado” significa que o socialismo está tão consolidado que já é indistinto da sociedade, não precisando mais ser imposto à força.

Com isso, todos os órgãos da Revolução, seus tribunais revolucionários, sua burocracia infinita, sua redistribuição centralizada tornam-se órgãos da sociedade. Assim, Estado e sociedade estão tão fundidos que já não se fala mais em transição, e sim num pleno comunismo consolidado.

Portanto, Luciana Genro, não tenho nenhuma fonte além de Karl Marx ELE PRÓPRIO para garantir que Stalin escravizando milhões no Gulag e em construções “populares”, onde morriam centenas de milhares como a construção do Canal Mar Branco-Báltico, era já comunista, e não socialista. Ninguém mais sequer cogitava a idéia de um retorno ao capitalismo.

Quando Mao Zedong, após seu Grande Salto para a Frente, sua Revolução Cultural e outros métodos de confisco de grãos que deixaram os camponeses comendo 100 g de grãos por dia, tornando cascas de árvore uma das maiores iguarias da China comunista, já estamos não no socialismo, mas no comunismo pleno – tão consolidado que até hoje a China não abandonou o Estado totalitário.

Quando Pol-Pot assassina 24% da população do Camboja em questão de 3 anos, mandando para o abate até mesmo quem seja alfabetizado ou use óculos, está não em “transição”, mas com o comunismo consolidado. O que nem o nazismo nunca conseguiu.

Adolf Hitler, perto de socialistas, cara Luciana Genro, vai pro Tribunal das Pequenas Causas. E ao contrário do que a senhora diz, qualquer interpretação de texto básica não vê isso como “apologia ao nazismo” que ofenda suas “raízes judias”, e sim como a maior crítica possível ao internacional e ao nacional-socialismo.

O socialismo que não era socialismo “real”

“Só é possível ter igualdade econômica com uma extrema desigualdade de poder político.”- Joseph Sobran

Mas talvez a senhora se refira a estudos como o essencial livro Socialismo, de Ludwig von Mises, o maior economista da humanidade, recentemente vilipendiado sem ser lido pela esquerda pois o interesse em suas obras disparou quando voltou a ser conhecido no Brasil. Mais uma vez, só há dois tipos de pessoas: as que criticam Mises e as que já o leram. Nunca os dois tipos estão no mesmo ser vivo.

Neste estudo, Mises prova que o socialismo é, afinal, impossível: estatizar toda a atividade econômica (e até pensamentos podem ser economicamente utilizados) só pode gerar um totalitarismo feroz, mas nunca permitirá que riquezas sejam criadas para toda a população, causando necessariamente fome. Algum país socialista conseguiu viver sem fome, candidata Luciana Genro?

Todavia, há um agravante: Mises sabe que economicamente o socialismo de fato nunca existiu: os irmãos Castro, os dois homens mais ricos do mundo, donos de todo o trabalho escravo de uma ilha inteira, proíbem até que alguém que não tome todo o café que consegue com sua carta de racionamento (já existiu isso em algum capitalismo laissez-faire, Luciana?) venda o excedente para não causar desigualdade, mas as pessoas continuam vendendo livremente às escondidas, ou todos morreriam de fome em qualquer socialismo.

Porém, Mises também sabe que isso não impede que o socialismo como sistema político de imposição ditatorial de um totalitarismo seja uma realidade que mais de 150 milhões de vidas sentiram em suas peles.

Socialismo, o poder total do Estado sobre o indivíduo

“Comunismo é o poder soviético, mais a eletrificação do resto do país.”- Vladimir Lenin

Agravamos: seu discípulo, Friedrich Hayek, Nobel de Economia, em um dos livros mais importantes do século XX, O Caminho da Servidão, mostra que o poder necessário para se construir um centralismo burocrático exige muito mais do que o poder para apenas manter a lei de manutenção da paz. Com o tempo, gasta-se mais esforços cuidando do próprio centralismo do que tratando de distribuição de renda, confisco de terras ou o que quer que seja.

Exatamente a situação do Brasil hoje, não? Parece que gastamos mais com propaganda e shows partidários na Petrobras do que lembrando que ela é uma empresa de petróleo. Ela sozinha tem 10 vezes mais assessores de imprensa do que todos os grandes jornais do Brasil somados. É o caminho da servidão com petrodólares.

Mais cirúrgico ainda: sua análise deslinda como a nova esquerda, preocupada em “direitos” dados a grupos específicos, também age em função do totalitarismo: cada nova lei para proteger uma minoria, cada “criminalização” de um comportamento até ontem normal, ou ao menos tolerável e “convivível” é mais uma siracura atolada de burocratas para verificar se a auto-declaração racial de um candidato a cotas está correta – feita no olhômetro, claro. E assim por diante.

Quando os liberais brasileiros descobrirem isso, também ressuscitarão a importância de Hayek à atualidade, pode apostar. Ninguém melhor do que ele para explicar por que o socialismo começa tentando “emancipar” os pobres e termina apenas tentando assassinar e roubar os ricos.

A ditadura do proletariado “democrática”?!

“Mesmo agora nós sentimentos que Stalin foi devotado ao comunismo, ele era um marxista, e isto não pode e não deve ser negado.”- Nikita Khrushchev

Estranho mesmo falar que modelos ditatoriais são “deturpação” de Karl Marx, quando o que Marx prega é uma estrovenga chamada “ditadura do proletariado”, como previsto na sua Crítica ao Programa de Gotha.

Este termo suscita muitos debates entre socialistas, como Karl Kautsky, que escreveu um livro assim intitulado criticando a forma como Lenin usava o termo de Marx para justificar tudo.

Ora, em Marx, vemos que a democracia é uma convenção burguesa, um “teatro” (termo que, curiosamente, é o mesmo usado pelo conservador Tocqueville).

Seu pensamento acredita que existem “classes sociais” (note que a taxonomia coloca “classe” como mais estanque e imutável até mesmo do que “família”, “gênero” ou “espécie”, o que é uma boa jogada propagandística de Marx), que supostamente estão em luta. Só que uma classe é “dominante” eternamente, então sempre ganha.

Assim sendo, eleições apenas refletem o interesse da tal “classe dominante” (vocês deixaram esse termo fora de moda porque já estava meio brega, né?). Para Marx, portanto, toda democracia seria uma “ditadura de classe”, e quando um proletário subisse ao poder, ao invés de jogar o jogo da “convenção burguesa”, deveria fazer Revolução, ou seja, não dividir o poder.

Isto é o que pensam até mesmo os líderes do PCdoB – basta tomar o poder e não largar o osso. Não precisarão mais dividir o poder, pois o interesse de um é o interesse de todos – os “proletários”, os “trabalhadores”, hoje os “progressistas”, já que o capitalismo é tão bom que faz com que ninguém mais dependa da prole e as idéias comunistas só vicejem em solo em que ninguém faça trabalhos pesados.

Como crer, então, que homens plenipotentes do destino de cada homem sob sua jurisdição, de Lenin a Kim Jong-un, de Tito a Choummaly Sayasone, de János Kádár a Muammar Qaddafi, não sejam ditadores brutais exatamente como Marx queria?!

O comunismo – não apenas o socialismo – pasme, existiu!

“A verdadeira questão por trás dessas pessoas que são contra armas, a razão pela qual o fazem é porque elas querem controle. Elas querem controle das pessoas. É isto que é o socialismo e o comunismo.”- Luke Scott

Com tudo isso que estudamos, ao contrário da senhora, talvez seja a hora de lidar com Kuehnelt-Leddihn. Ele sabia que o apelo do comunismo é aristocrático, ao contrário do que a senhora pensa e quis erroneamente dar a entender ao pobretão Danilo Gentili – e que explicaria porque ele cativa tanto a senhora, ricaça que nunca precisou pegar um trem de subúrbio 11:40 da noite na vida.

No século XIX, ser funcionário público era o auge da carreira de alguém (lembre-se que Hegel, como professor de filosofia, tinha um status público comparável a um ministro de Estado). Com o aparato estatal poderoso da ascensão do Estado moderno, mas ainda não tentando administrar coisas que não são da sua alçada como a economia, funcionários públicos eram oficiais militares, burocratas de alto escalão, gestores de gastos e administração ou relações exteriores. Apenas administradores muito bem preparados, portanto.

A promessa do comunismo, a abolição da propriedade privada e a transformação de todos em funcionários públicos, chamava a atenção não de uns pobretões como Danilo Gentili ou eu, Luciana Genro, mas de gente que nada em dinheiro como a senhora. Era uma promessa de fartura como dizer hoje que todos receberão verba partidária, como a que a senhora recebe.

Contudo, como Frédéric Bastiat já havia alertado no começo do século XIX, a conta não fecha: se toda a sociedade vive do Estado, quem vai bancar o Estado? O Estado é a entidade que apenas age por força dentro de um território. É por isso que a idéia de estatizar tudo atrai tanta gente psicopata, e por isso que o socialismo não pode ser senão uma força de coação extrema.

Todavia, retomando o conceito clássico de “democracia” de Platão e dos gregos até Tocqueville, ou seja, a corrupção da “politéia”, as leis muitas vezes não-escritas que regem um povo, Kuehnelt-Leddihn considera que tanto o nazismo como o comunismo, nesse sentido clássico, seriam “democracias”, ou seja, corrupção da politéia: lá não vale uma lei que proteja os indivíduos, e sim a tirania da maioria. Tendo 50% mais 1 dos votos, qualquer coisa pode se tornar legítima, inclusive estes 50% + 1 matarem os 49,9…% restantes. É o nazismo propondo a “solução final” contra os judeus, é o socialismo “expurgando” os “kulaks” (equivalente ao português “coxinha”, que deveria designar ricos, mas passa a designar qualquer um que não aceite o poder total socialista).

São os tribunais revolucionários da “lei como criança” de que fala Aleksandr Solzhenitsyn quando comenta como era “legítimo” e coisa do sistema (e não obra de doença mental de um homem só) matar dezenas de milhões no regime soviético, pois a lei era para “a classe trabalhadora”, expurgando a burguesia – e não é a senhora mesma que quer uma lei para tomar o dinheiro dos ricos à força? Sob qual pena? Depois, o que virá?

Esta “democracia” em sentido clássico é apenas o primeiro passo do totalitarismo (o que é corroborado por Hannah Arendt, Alain Besançon e praticamente qualquer outro estudioso do totalitarismo, cara Luciana Genro; viu como nós estudamos, e a senhora não?). Afinal, não é um poder dividido, ou com alguma lei eterna de contrapeso: é a ditadura do proletariado, é o socialismo como Partido-Estado, é a autonomia dos povos, que decidem sem leis o que querem pela força da maioria. É, em suma, genocídio.

Como se vê, Kuehnelt-Leddihn não reclamaria de vocês considerarem que fazem a “ditadura do proletariado democrática” – apenas sabe que ter até nosso direito à vida não assegurado por leis imutáveis da politéia, mas sendo discutido pela ditadura da maioria, não pode conviver com a palavra “liberdade”.

E os milhões de mortes?

“Comunismo não é amor. Comunismo é o martelo que usamos para esmagar o inimigo.”- Mao Zedong

Resta então a questão final: e a montanha de cadáveres de que Roger, do Ultraje a Rigor, falou para a senhora?

Ora, já vimos que socialismo MARXISTA é matar populações inteiras, é ter o poder completo sobre as pessoas mesmo que isso mate-as de fome, é criar uma ditadura totalitária de poder e coação sobre corpos e mentes. Mas de onde Roger tirou o dado de que o comunismo matou 80 milhões de pessoas no século XX?

Roger parece estar bastante equivocado. O número é incrivelmente superior. Talvez seja o dobro. Os dados são de ex-comunistas que tentaram ainda salvar sua honra escrevendo O Livro Negro do Comunismo, que na França só obteve como resposta muxoxos ocos como os chavões da sua farândola.

A dificuldade em enumerar as mortes não é de mero “chute”, como afirmou recentemente uma colunista brasileira fofinha e burrinha – é de determinar se as mortes por fatores como fome, guerra, exaustão etc merecem entrar na conta do comunismo, ou só de comunistas individualizados. Pelo que estudamos acima, sim, a culpa é do sistema.

Archie Brown, um dos maiores estudiosos do comunismo, no livro Ascensão e Queda do Comunismo, resenhado por mim conta que antes mesmo de a Segunda Guerra eclodir, mais de 4,5 MILHÕES de soldados russos morreram. A culpa de Stalin era enorme: seu sistema tratava como “traição” qualquer resultado pífio – e assim é o comunismo em todo lugar – e mandou para a cadeia muitos marechais antes da guerra. Na histeria que é a luta por maioria, marechais iam da cadeia para o heroísmo nacional em questão de semanas.

As populações eram usadas para proteger o sistema comunista, e não o contrário. Presos políticos (eles não existiriam se o sistema não fosse comunista, não é?) eram usados para marcharem sobre campos minados, para depois o Exército Vermelho passar. Praticamente sem entrar em confronto com os alemães, 20 milhões de soldados soviéticos morreram na Segunda Guerra de frio (com um sistema que não produzia nem roupas para soldados, que dormiam dentro de animais mortos para se aquecer), fome (faziam uma refeição por dia, contra 5 dos soldados americanos), doenças e afins.

Como não computar na conta do comunismo? Fossem países capitalistas, dificilmente teriam morrido tanto. Mas ainda assim, são lembrados mais como mortos pela guerra do que pelo comunismo.

Qualquer averiguação sempre os joga para o alto. Como é o Memorial das Vítimas do Comunismo, que nem tem uma conta tão pessimista (não conta muitas das que citei), marca 110 milhões de mortos graças ao comunismo. O nazismo matou 6 milhões de judeus, e em tempo de guerra.

Primeira conclusão

“Socialismo, como as antigas ideias de onde ele surge, confundem a distinção entre governo e sociedade. Como resultado, sempre que criticamos uma coisa feita pelo governo, os socialistas concluem que criticamos esta coisa feita em si.”- Frédéric Bastiat

Desta forma, Luciana Genro, parece que quanto mais estudamos o socialismo, mais nojo temos dessa coisa – como não é possível estudar o nazismo e continuar gostando. Parece mesmo que quem defende um ou outro ou é mal caráter, ou está mal informado. Estou apostando na segunda hipótese.

E isso porque não falamos dos argumentos econômicos de Thomas Woods ou Hermann-Hoppe, das análises da esquerda moderna “não-socialista” que põe o mundo nas mãos de um comuno-fascista como Vladimir Putin, das pesquisas históricas envolvendo os arquivos de Moscou, das discussões políticas atuais que envolvem o movimento comunista, de dissidentes e fugitivos (quase todos eles antigos crentes na religião do comunismo!), que vão de Solzhenitsyn e Arthur Koestler a Vladimir Bukovsky…

E nem falamos do mais importante para se entender o pensamento socialista/de esquerda: o incrível Main Currents of Marxism, de Leszek Kołakowski. E os historiadores, de Anne Applebaum a Orlando Figes?

E os argumentos contra Marx, de Böhm-Bawerk (que mostrou que não existe “mais-valia” antes de Marx terminar de escrever O Capital) a Benedetto Croce, mostrando que o “materialismo histórico dialético” é uma mentira?

Assim, espero ter mostrado à senhora que, estudando, as pessoas deixam de ser de esquerda, e não o contrário. Que não somos liberais e/ou conservadores por sermos malvados, e sim por sabermos algo que vocês não sabem.

Talvez percebendo isso, a senhora resolva estudar o que não estudou e daqui a uns anos apareça como uma nova dissidente, como David Horowitz, Thomas Sowell, Eric Voegelin, Andrew Breitbart, Koestler e tantos outros o são. E possa passar a atuar politicamente e quem sabe escrever sobre como estava errada durante todo esse tempo, e que o caminho correto é lutar pela liberdade, e não pelo socialismo, o controle total sobre outras pessoas.

O caminho está aberto para a Luciana Genro direitista 2024, após uma década de estudos. Será muitíssimo bem recebida, cara Luciana Genro.


*FLAVIO MORGENSTERN é Analista político, palestrante e tradutor. Escreve para jornais como Gazeta do Povo, além de sites como Implicante e Instituto Millenium. Em breve lançará seu primeiro livro pela editora Record.

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