quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Acidente e descaso no RU3 da UFRGS

Emenda feita com sacola plástica
Na última terça-feira, 02, o Restaurante Universitário do Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conhecido como RU3, voltou a figurar nas páginas dos jornais. Um acidente com um caldeirão feriu quatro trabalhadores, que foram socorridos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e encaminhados ao Hospital de Pronto Socorro (HPS). Esta não é a primeira vez que o RU3 vira notícia. Em setembro do ano passado, o restaurante foi interditado pela Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) de Porto Alegre por falta de condições sanitárias adequadas.

Válvulas dos caldeirões com ferrugem
Os Restaurantes Universitários da UFRGS são dirigidos por Cassia Corbo, Diretora da Divisão de Alimentação (DAL) da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), e têm por finalidade o preparo e distribuição de refeições ao corpo discente, docente e técnico administrativo da Universidade. Em especial, o RU3, onde houve o acidente, está sob a gerência da servidora Noeli Terezinha dos Santos Adamatti. Toda estrutura está subordinada ao Pró-Reitor Ângelo Ronaldo Pereira da Silva.

Tubulações emendadas com fita adesiva
O Restaurante Universitário do Campus do Vale, conforme dados do ano de 2008 divulgados pela PRAE, é o RU mais utilizando pela Comunidade Acadêmica da UFRGS, tendo servido 504.255 refeições naquele ano. Em seguida, vem o RU1 - Centro (431.644 refeições), RU2 - Saúde (249.426 refeições), RU4 - Agronomia (106.318 refeições) e RU5 - ESEF (3.739 refeições). Assim, seu fechamento está causando enorme transtorno para todos os estudantes, sobretudo pelo fato de que as lancherias disponíveis no Campus não possuem estrutura para comportar a demanda e, além disso, cobram preços muito elevados em comparação com aqueles praticados pelo RU, que servia refeições à R$1,30, sendo isentos os estudantes carentes.

Saída de vapor do caldeirão regulada com latinha de milho
O acidente, que ocorreu por volta das 9 horas da manhã da última terça-feira, envolveu um caldeirão utilizado para o cozimento de feijão, que explodiu vitimando quatro funcionários. O sinistro está sendo apurado pelo  Departamento de Segurança no Trabalho e pela Superintendência de Estrutura da UFRGS, que ficaram responsáveis pela elaboração de um laudo indicando as causas da explosão.

Fotos divulgadas na internet após o acidente mostram as precárias condições de higiene e trabalho no Restaurante Universitário do Campus do Vale. Conforme as imagens, diversos equipamentos e canos possuem emendas feitas com fita adesiva e sacolas plásticas amarradas à tubulação para evitar vazamentos de água e gás. Diversas tubulações e conexões estão danificadas e com ferrugem. Ainda, a sujeira produzida pela cozinha é liberada diretamente no chão, por onde escorre através de bueiros.

Sujeira escoa através de bueiro no chão
Em setembro do ano passado, o Restaurante Universitário do Campus do Vale foi interditado pela Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) de Porto Alegre por falta de condições sanitárias adequadas, permanecendo fechado por 12 dias. Entre outros problemas, foi constatado o péssimo estado de conversação em utensílios de cozinha como tábuas de corte, caixas plásticas e panelas. Havia ainda coifas e canos de condução e gás com acúmulo de gordura, fator que propicia a presença de insetos, baratas e ratos. Ainda, a estrutura física da cozinha apresentava problemas como forro aberto, ausência de porta na área de manipulação de alimentos, fossas abertas exalando fortes odores, acúmulo de água no piso em função de vazamentos no encanamento, ausência de barreiras físicas eficientes para impedir a entrada de insetos e encanamento sem conexão com esgoto. Foram observados ainda lixeiras sem pedal e com acionamento manual da tampa, teto sujo, acúmulo de sujeira embaixo das pias e ralos abertos. A câmara fria também estava superlotada de alimentos, aspecto que prejudica a conservação dos produtos, além de não haver produtos como álcool gel, sabão e papel toalha, necessários para a higienização das mãos dos responsáveis pela manipulação dos alimentos.

Pró-Reitor Ângelo, responsável pela manutenção e
conservação dos Restaurantes Universitários
Diante disto tudo, o DCE Livre – Movimento Estudantil Liberdade – entende que os restaurantes universitários prestam serviço de assistência estudantil fundamental para toda a Comunidade Acadêmica e o descaso demonstrado pelo Pró-Reitor de Assuntos Estudantis Ângelo Ronaldo Pereira da Silva com a manutenção das condições de higiene e trabalho no RU3 afronta a própria dignidade do corpo discente da UFRGS.




quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Miriam Leitão fala da tortura que sofreu na ditadura e quer pedido de desculpas. Legítimo, mas e o seu pedido de desculpas?

Por Rodrigo Constantino*

A jornalista Miriam Leitão decidiu revelar as supostas (aprendi com os jornalistas a usar o termo quando não há provas) torturas que teria sofrido durante o regime militar, incluindo ficar numa cela escura com uma jiboia e quase ser estuprada por vários soldados. São relatos chocantes, e não tenho motivos para duvidar de sua veracidade. Diz ela:

Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país.

Uma postura decente. Miriam tem direito a um pedido de desculpas formal, e não resta a menor dúvida de que houve vários abusos e torturas por parte dos militares, o que é inadmissível. Segundo ela, seu único crime era integrar o PCdoB e fazer proselitismo entre os estudantes, além de ser namorada de outro militante, de quem estava grávida de um mês quando foi presa. Sendo verdade, isso não configura crime algum.

Infelizmente, o debate sobre nosso passado está tomado por emoções fortes e muitos interesses, tudo isso turvando a razão. A postura maniqueísta precisa ser abandonada. Compreender o contexto daquela época de Guerra Fria e ameaça comunista não é o mesmo que transformar os militares em santos, tampouco poupar aqueles que realmente praticaram tortura. Estes deveriam ter sido punidos pelos próprios militares decentes – grupo em maioria.

Por outro lado, a vitimização dos antigos comunistas, que tentam se pintar como legítimos democratas que do nada foram atacados por militares autoritários, não se sustenta por um segundo. Aquela turma jovem sonhava com o modelo cubano ou soviético, nada parecido com uma democracia. Alguns, como Fernando Gabeira, Arnaldo Jabor e Ferreira Gullar, fizeram uma dolorosa mea culpa de suas lutas juvenis equivocadas. Outros não. Querem pedidos de desculpas, mas não querem pedir desculpas.

Miriam Leitão, que gosta de um discurso de vítima em outras áreas (cartada sexual, racial, indígena etc), aproximou-se dos tucanos e passou a defender uma social-democracia nos moldes europeus, afastando-se assim do velho comunismo do passado. Com isso, passou a ser “acusada”, junto com os próprios tucanos, de “neoliberal” pela antiga esquerda mais radical. Não se conforma com isso.

Tanto é verdade que faz de tudo para ser “perdoada” pelos antigos companheiros. Mesmo quando precisa bater nos mais caricatos, nos “petralhas”, acaba atacando os conservadores e liberais também, como Reinaldo Azevedo e eu mesmo, para ficar bem na foto, posar de “neutra”. É um problema geral do tucanato: a lógica e a experiência os levaram mais para a direita, mas seus corações permanecem na esquerda. São prisioneiros emocionais do passado.

Acho, como já disse, que Miriam tem todo direito ao seu pedido de desculpas. Se sofreu o que diz mesmo, nada justifica isso. É uma postura covarde daqueles militares envolvidos. Mas ela não era uma heroína. Não era uma jovem democrata que defendia a liberdade. Era uma comunista, do PCdoB, entoando hinos marxistas e usando como símbolo a foice e o martelo.

Se essa turma tivesse logrado sucesso naquela época, o Brasil hoje seria uma imensa Cuba, algo que ainda não nos livramos justamente porque os comunistas ainda existem, sob o manto de bolivarianismo ou socialismo do século 21. Portanto, cabe perguntar: e o seu pedido de desculpas, Miriam, não teremos?


*RODRIGO CONSTANTINO é um economista e colunista brasileiro. Foi articulista da revista "Voto" e escreve regularmente para os jornais "Valor Econômico" e "O Globo". A partir de agosto de 2013, passou a escrever também para a revista semanal "Veja". Presidente do Instituto Liberal3 e um dos fundadores do Instituto Millenium, foi considerado em 2012 pela revista Época, como um dos "novos trombones da direita" brasileira.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Sonegar imposto é errado? Nem sempre. No Brasil, é legítima defesa

Por Aluízio Couto*

Certa vez, dois amigos me confidenciaram que as empresas das quais eram sócios faziam de tudo para sonegar alguns tributos. As empresas eram familiares e não admitiam o governo como sócio. Um sócio como o governo, sustentavam, só tirava e nada dava. Disseram-me também que o custo de arcar regularmente com toda a malha tributária inviabilizava não apenas o lucro, mas a própria existência das empresas.

Sonegação, pela lei, é crime. A imprensa, todos os dias, dá-nos notícias e mais notícias sobre gente sendo presa por esconder o quinhão ”do povo”. E a mesma imprensa, todos os dias, dá-nos testemunho da eficiência implacável do governo em detectar e perseguir aqueles que sonegam. A imprensa noticia os casos, os âncoras de jornal fazem cara de reprovação e os colunistas eventualmente debatem o tamanho da carga tributária.

A pergunta moral, no entanto, raramente é feita: sonegar é, afinal, sempre errado? A resposta que ofereço é “não”. Espero, neste pequeno texto, convencer o leitor de que o governo não pode reclamar a parte de nossos recursos que é desperdiçada e de que não há tal coisa como um dever absoluto de obedecer às leis. Não pretendo discutir qual é o volume de carga tributária cuja cobrança seria moralmente legítima, independente da qualidade do uso dos recursos. Adiante.

Para começar, nem toda ação criminosa é imoral. De mais a mais, se toda ação criminosa fosse imoral, a desobediência civil justificada, tal como a famosa atitude de David Henry Thoreau, seria uma impossibilidade conceitual. Isso, porém, é provavelmente falso. Mas como meus amigos conseguiriam justificar moralmente sua sonegação? Eles não poderiam usar a desobediência civil como justificativa, é claro. Tipicamente, atos de desobediência civil são públicos e pretendem chamar a atenção das pessoas para alguma iniquidade legal.

A sonegação de ambos, como sabemos, é secreta. A última coisa que desejam é chamar a atenção de quem quer que seja. Talvez um modo de justificá-la seja pensar na legitimidade moral que o estado tem, se é que tem, para tributar. Alguns filósofos sustentam que simplesmente não existe tal legitimidade. Para eles, o uso de qualquer forma de coação para transferir recursos não passa de violação de direitos. Robert Nozick, por exemplo, ficou conhecido por ter defendido a teoria da titularidade, que não admitia redistribuição. Para fins de argumentação, não vou assumir aqui essa perspectiva (penso, no entanto, que ela é perfeitamente defensável).

Qualquer discussão sobre a moralidade dos tributos precisa lidar com dois aspectos distintos: 1) decidir se o estado tem legitimidade para cobrá-los e, caso a resposta seja afirmativa, 2) decidir quais são os critérios que o estado deve satisfazer para efetivamente cobrá-los. Como já deixei claro, assumo que 1 já está resolvido. Tributar é legítimo. Segue-se, portanto, que os pagadores de tributos não têm razão quando reclamam da cobrança de tributos em si.

No entanto, isso é só a primeira parte da conversa. Se o estado não satisfizer os critérios exigidos pelo segundo aspecto, a sonegação poderá ser justificada. Isso é assim porque se os agentes do estado quiserem mesmo cobrar tributos, terão de ter boas razões para fazê-lo. Tendo tais razões, precisarão usá-los bem. O mero fato de terem legitimidade, em abstrato, para tributar, não os autoriza a cobrar qualquer coisa sob qualquer justificativa. Tal autorização também não existe quando, mesmo com boas razões para tributar, usam mal os recursos obtidos.

Para tornar a ideia mais clara, pensemos nas leis de modo geral. Aceitamos que o estado tem legitimidade para elaborar leis. No entanto, exigimos – e temos o direito de fazê-lo – que as leis satisfaçam critérios, como, por exemplo, a justiça e a compatibilidade, quando aplicada, com os direitos individuais e o interesse público. Se uma lei particularmente estúpida ou mal aplicada os violar, um cidadão tem razões para não obedecê-la. Afinal, critérios importantes sobre os quais qualquer lei deve se assentar para não foram satisfeitos. Essa atitude, destaco, é compatível com a posição segundo a qual o estado pode legitimamente elaborar leis.

O que dizer da tributação? Aqui, um critério razoável é o de que, se não todo, mas virtualmente todo o valor arrecadado por meio de tributos seja gasto em prol da população. Infelizmente, no entanto, é uma verdade banal que grande parte dos recursos arrecadados é desperdiçada. E uma vez que não há legitimidade para a cobrança de uma quantidade qualquer de tributos que muito provavelmente irá para o ralo, os pagadores podem sonegar essa quantidade, digamos, moralmente (se a expressão “sonegar moralmente” soa escandalosa, talvez isso se deva ao erro de assumir que uma categoria jurídica negativamente carregada como o crime implica um juízo negativo sobre o estatuto moral da ação em causa).

Para dar alguns números, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) divulgou em abril de 2013 que, entre os 30 países com as maiores cargas tributárias, o Brasil é o que menos retorna à sociedade proporcionalmente ao que arrecada (a “Folha”, há poucos dias, deu notícia semelhante). Há algumas semanas, o economista Marcus Guedes, em texto publicado no blog do jornalista Ricardo Setti, estimou que desde o estabelecimento da Constituição de 1988, o país publica uma média de 31 normas tributárias por dia. Já em texto publicado no jornal “O Globo”, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg informa que, segundo pesquisa feita pelo Banco Mundial, o sistema tributário brasileiro é o pior do mundo. Sardenberg também diz que, em média, uma empresa brasileira gasta 2600 horas por ano só com obrigações fiscais.

O que temos, então, é o seguinte: mesmo tendo legitimidade para tributar, o governo não consegue satisfazer, em parte, os critérios que deveriam ser satisfeitos para reclamar nossos recursos. Como os tributos são estabelecidos por leis, sonegá-los nada mais é do que não obedecer a leis, quando não estúpidas, mal aplicadas. Portanto, a sonegação fiscal não é mais do que uma instância particular da argumentação mais geral sobre as leis. E uma vez que tanto pessoas físicas quanto jurídicas são lesadas pelo desperdício, cidadãos comuns e empresários como os meus amigos têm justificativa moral para sonegar.

Pode-se, é claro, oferecer objeções a atitudes como a dos meus amigos: vivemos em uma democracia e nossas leis (inclusive aquelas que regem os tributos) são feitas e aplicadas sob a égide de um regime que em tese a todos representa. Assim, quem quer que desobedeça a uma lei, em uma democracia, deve fazê-lo publicamente.

Tal objeção, no entanto, enfrenta uma dificuldade. Os benefícios públicos desse tipo de desobediência são, no mínimo, bastante intangíveis e de longo prazo, ao passo que as consequências para o desobediente são imediatas e palpáveis. Não me parece razoável afirmar que, para poder se defender da sanha insaciável do nosso Leviatã, empresas (e também pessoas) devam se prejudicar gravemente em nome de algo como o aprimoramento da democracia. Pessoas não são meios, mas fins em si. Exigir a desobediência pública é exigir que elas usem a si próprias em nome de um fim político.

Consideremos duas últimas objeções e suas respectivas respostas. O filósofo James Rachels formulou assim um argumento em favor da ideia de que sempre devemos obedecer às leis: se não obedecermos sempre às leis, o estado não pode existir. Seria desastroso não haver estado, pois a vida seria muito pior sem ele. Assim, conclui, devemos sempre obedecê-las. O problema desse argumento, como sugere o próprio Rachels, é que desobedecer a um conjunto limitado de leis não parece ser a receita para o caos social. Há também o argumento do contrato social: se gozamos dos benefícios da cidadania, então implicitamente fizemos uma promessa de obedecer às leis do estado. O problema desse argumento é que não nos é oferecida uma razão para obedecer a leis injustas, estúpidas ou mal aplicadas. Assumir que a obediência a esse tipo de lei é “prática cidadã” é um abuso da expressão.

Antes de encerrar, vale a pena considerar o seguinte: suponhamos que uma pessoa saiba que parte dos recursos derivados de tributos será desperdiçada. Qual é, do ponto de vista moral, a diferença entre sonegar e procurar brechas legais que, bem usadas, permitem-na pagar menos tributos? Pode-se responder que temos algo como um dever prima facie de cumprir a lei. No entanto, em ambos os casos a ideia é a mesma: procurar meios de reter o que o governo usa mal. O dever prima facie não faria mais do que sugerir um caminho seguro e aborrecido de alcançar o mesmo resultado. No entanto, deveres prima facie podem ser derrotados por boas razões. E é defensável que o desperdício é uma excelente razão para a desobediência. 

Penso, por fim, que meus amigos não estão errados. Não do ponto de vista moral, é claro. E admito sentir uma alegria quase perversa quando penso que eles, ao mesmo tempo em que produzem, conseguem se defender de uma das maiores organizações de salteadores já vista: o governo. E é precisamente o governo um dos responsáveis por nos tornar uma sociedade amoral, pois somos incapazes de exercer a virtude da legítima compaixão com o próximo. O governo estatizou a solidariedade e, tal como os tributos, tornou-a obrigatória.


*ALUÍZIO COUTO é filósofo pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

E se eu lhe disser que a democracia é uma fraude?


E se eu lhe disser que você só pode votar porque seu voto não faz diferença?  E se eu lhe disser que, não importa em quem você vote, a mesma elite política, os mesmos lobistas, e os mesmos grupos de interesse sempre estarão no comando?  E se eu lhe disser que o conceito de uma pessoa/um voto era apenas uma ficção criada pelo governo e por esses grupos de interesse para induzir a sua complacência?

E se você descobrir que a democracia, em seu formato atual, é extremamente perigosa para as liberdades individuais?  E se você descobrir que a democracia desvirtua totalmente o conceito que as pessoas têm de direitos naturais, fazendo com que elas passem a acreditar que tomar a propriedade alheia é um "direito adquirido"?  E se você descobrir que a democracia não passa de um verniz capaz de transformar as campanhas políticas em meros concursos de beleza? 

E se você descobrir que, se o número de pessoas que for às urnas para votar a favor de uma medida criada pelo governo (como em um referendo) for maior do que o número que for votar contra, a democracia permite que o governo faça tudo o que ele quiser?

E se você descobrir que o propósito da democracia moderna é o de convencer as pessoas de que elas podem prosperar não pelo trabalho e pela criação voluntária de riqueza, mas sim pela apropriação da riqueza de terceiros? 

E se eu lhe disser que a única maneira moral de adquirir riqueza é por meio da atividade econômica voluntária?  E se eu lhe disser que o governo é capaz de persuadir as pessoas de que é perfeitamente aceitável adquirir riqueza por meio da atividade política?  E se eu lhe disser que a atividade política inclui todas as coisas parasíticas e destrutivas que o governo faz?  E se eu lhe disser que o governo jamais é capaz de criar riqueza?  E se eu lhe disser que tudo o que governo possui adveio do roubo de cidadãos produtivos?

E se você descobrir que a ideia de que precisamos de um governo para tomar conta de nós não passa de uma ficção que foi exitosamente perpetrada para aumentar o tamanho e o poder do estado?  E se você descobrir que o objetivo dos políticos e burocratas que ocupam o governo é expandir seu controle sobre a população? 

E se eu lhe disser que nossas qualidades individuais e culturais dependem não do poder do governo mas sim do quão livre somos em relação ao governo?

E se você descobrir que essa mistura de governo inchado e democracia gera dependência?  E se você descobrir que, tão logo esse tal 'governo democrático' cresce, ele começa a enfraquecer as pessoas, acabando com sua auto-suficiência?  E se eu lhe disser que um governo inchado destrói a iniciativa e a motivação das pessoas, e que a democracia as convence de que a única motivação de que precisam é 'votar certo' e aceitar os resultados?

E se eu lhe disser que o homicida Josef Stalin estava certo quando disse que a pessoa mais poderosa do mundo é aquela que conta os votos?  E se você descobrir que os votos que realmente contam ocorrem em segredo, atrás dos bastidores?

E se eu lhe disser que o problema da democracia é que a maioria se acredita apta a 'consertar o que está errado', a criar qualquer tipo de lei, a tributar qualquer tipo de atividade, a regular qualquer tipo de comportamento, e a se apossar daquilo que mais lhe aprouver?  E se o maior tirano da história estiver hoje entre nós?  E se esse tirano tiver o apoio da maioria?  E se ele chegar ao poder?  E se a maioria não reconhecer limites ao seu poder?

E se o governo for astuto o bastante para ludibriar os eleitores, de modo que estes passem a defender e justificar tudo o que o governo quiser fazer?  E se o governo comprar o apoio das pessoas por meio de benesses que ele distribui?  E se o governo der assistencialismo para os pobres, universidades para a classe média e protecionismo para os empresários ricos, de modo a manter todos dependentes dele?

E se eu lhe disser que uma república vibrante depende não do processo democrático da votação, mas sim de eleitores informados e ativos, que entendem corretamente os princípios da existência humana, dentre eles a posse inalienável de direitos naturais?

E se eu lhe disser que podemos nos libertar do jugo do estado interventor, mas que os defensores do establishment não querem isso?  E se eu lhe disser que o governo será o mesmo não importa quem vença as eleições?  E se eu lhe disser que existe apenas um grande partido político, o qual é subdividido em duas alas, social-democrática e socialista?  E se eu lhe disser que ambas as alas querem impostos, assistencialismo, protecionismo, regulamentações e crescimento contínuo do governo, diferindo apenas muito polidamente quanto aos meios para se alcançar estes objetivos?  E se eu lhe disser que este partido único criou leis eleitorais que tornam praticamente impossível o surgimento e o sucesso de uma concorrência política?

E se você descobrir que o sucesso do governo depende de sua habilidade de fingir e enganar?  E se eu lhe disser que nossos ancestrais acreditavam que o rei era divino?  E se eu lhe disser que eles acreditavam que o rei era infalível?  E se eu lhe disser que eles acreditavam que a voz do rei era a voz de Deus?

E se você descobrir que o governo é bom em fazer os outros acreditarem?  E se você descobrir que o governo fez o povo acreditar que tem voz?  E se você descobrir que o governo fez o povo acreditar que os políticos eleitos são o próprio povo?  E se você descobrir que o governo fez o povo acreditar que os políticos são servidores do povo?

E se você descobrir que o governo fez o povo acreditar que a maioria democrática nunca erra?  E se eu lhe disser que a tirania da maioria é tão destrutiva para a liberdade humana quanto a tirania de um indivíduo louco? 

O que você faria?


*ANDREW NAPOLITANO é membro do Mises Institute, especialista em Direito e Jurisprudência, professor de Direito da Brooklyn Law School, analista jurídico da Fox News, e ex-juiz da Corte Suprema de Nova Jérsei.  Graduado em Princeton e na University of Notre Dame, já escreveu sete livros sobre a Constituição americana.  Contribui esporadicamente para o The New York Times, The Wall Street Journal, The Los Angeles Times, e várias outras publicações.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

O que as belas almas estão pedindo a Israel?

Por Régis Antônio Coimbra*

Discordo da desproporção, no caso. O Hamas domina a estratégia; se o Hamas quiser paz, haverá paz; se o Hamas quiser guerra, haverá guerra. Israel não tem a iniciativa, não tem propriamente a escolha.

Não se trata de Israel matar bebês, mas do Hamas provocar Israel e se defender em meio a bebês. No meu entender, Israel deveria ter esperado um pouco mais para começar a invasão terrestre, mas agora que o aeroporto Ben Gurion ficou "interditado" por conta da percepção de risco devido à combinação de um foguete que atingiu suas cercanias e o trauma recente do incidente no nordeste da Ucrânia, essa é uma questão "acadêmica" no sentido pejorativo.

Israel precisa invadir por terra para buscar maior efetividade na destruição dos arsenais usados contra sua população. Esperar mais (antes da "interdição" do aeroporto) envolveria risco político no caso de um foguete, num "tiro sortudo", causar muitas mortes e envolvia ainda considerável desgaste com a opinião pública internacional sem conseguir destruir o arsenal do Hamas com a velocidade necessária. Isso explica a opção pela invasão por terra que, como já comentei, depois do problema com o aeroporto, seria inevitável.

Note-se que era exatamente o que o Hamas queria. Sua estratégia é a da provocação, da atração da invasão para capitalizar a lógica do ressentimento contra Israel entre o povo palestino - questão relevante para o recrutamento de novos militantes... no que a destruição constante da infra-estrutura civil também joga seu papel, diminuindo as alternativas dos jovens e tornando o Hamas uma espécie anômala de chefe do tráfico... no caso financiado pelas "belas almas" (algumas assumidamente antissemitas) que lhe dão apoio e cobertura - e com isso tentar conseguir capturar (vivos ou mortos) alguns soldados israelenses para negociar a libertação de prisioneiros.

É interessante tentar considerar quais seriam as alternativas de Israel. Deixar o Hamas o bombardear indefinidamente? Abrir mão da segregação? Isso diminuiria os ataques? Seria o caso de tentar, por uns 10 ou 20 anos, para ver se cansavam de se explodir em ônibus? Torcer para que a população israelense, cansada da abstenção do estado, não incorresse (muito) na auto-tutela (que foi o que desencadeou essa crise, com o assassinato de três jovens israelenses por jihadistas... seguido de assassinato de um jovem palestino por israelenses).

Sair da região?

Claro que nenhuma dessas alternativas é viável politicamente. Um governo israelense que resolvesse radicalmente se abster de contra-atacar não se reelegeria e é interessante de pensar por que não se reelegeria. A proposta de simplesmente sair da região também não é viável. E assim por diante. E, em cada um desses casos, não é realmente difícil de entender por que não é viável.

As condenações a Israel são uma espécie de manifestação de "oh, puxa... lamentamos muito isso e gostaríamos que milagrosamente se resolvesse...". Não podem ser levadas a sério como efetivos pedidos para que Israel não invada, não segregue, não bombardeie, alternativas que, em última análise, são variações do "por favor, Israel, não exista..."


*RÉGIS ANTÔNIO COIMBRA é 1º Vice-Presidente do Movimento Estudantil Liberdade. Filósofo e advogado formado pela UFRGS. Especialista em Direito e Economia e, atualmente, é Acadêmico da Licenciatura em Dança pela UFRGS e Professor no Colégio Tiradentes da Brigada Militar.

sábado, 5 de julho de 2014

Comentários sobre as cotas racistas

Por João Francisco Winckler*

Eu costumo ver três argumentos a favor das cotas raciais, em especial, cotas raciais para ingresso em universidades: o argumento da reparação histórica, o argumento do combate ao racismo, e o argumento da desigualdade de condições. Vou comentar um por um.

1- REPARAÇÃO HISTÓRICA
Numa época em que o grupo dos ex-escravos e seus descendentes é facilmente identificável, não é absurdo pensar em reparar escravos recém-libertos. Mas não é o caso do Brasil do século XXI. Do fim da escravidão até os dias de hoje, a miscigenação foi muito grande. É difícil saber quem tem apenas ascendência escrava, e o quanto a ascendência de cada um é escrava. Portanto, é difícil saber quem merece reparação.

Descendentes de escravos e de senhores de escravos merecem reparação? E descendentes de escravos e de não-escravos que não foram senhores de escravos? E descendentes de escravos e de capitães-do-mato? E ricos descendentes de escravos? Um programa decente de reparação histórica deve considerar todas essas complicações, e seus beneficiários devem ser definidos através de documentos que provam sua ascendência escrava, e não por cor de pele.

Além disso, por que a reparação deve se dar necessariamente por cotas nas universidades? Universidades servem para formar profissionais qualificados e para a realização de pesquisas. Transformar centros de ensino e pesquisa em meros instrumentos políticos a serem manejados de acordo com a vontade de um comando central é uma péssima ideia. Devemos prezar pela autonomia das universidades, até porque nunca sabemos quem estará no governo amanhã, nem o que futuros governantes vão querer que as universidades sejam.

2- COMBATE AO RACISMO
Só pode haver racismo se existir a ideia de que características físicas determinam outras características pessoais. Portanto, para combater o racismo, é preciso se opor à distribuição de direitos com base na cor da pele. Ao invés disso, movimentos de esquerda tentam reforçar a noção de que no Brasil existem "raças" em conflito, contrariando a tendência de enfraquecimento dessas ideias racistas na sociedade.

O racismo contra negros no Brasil está ligado a condições econômicas. Preconceitos contra pessoas pobres são "emprestados" a pessoas negras, porque negros tendem a ser mais pobres, por reflexo da escravidão. Portanto, a crescente miscigenação, que "dissolve" melanina por toda a sociedade, e o desenvolvimento econômico, devido ao que nos resta de capitalismo, apontam claramente para a tendência de enfraquecimento do racismo na sociedade.

Nossa população é cada vez mais parda e as condições econômicas são cada vez mais parecidas. Enquanto ricos compram SmarTVs 3D de 50 polegadas, metade das pessoas das nossas favelas têm aparelhos muito parecidos, um pouco menores e com menos recursos, que nenhum senhor de escravos do século XIX sonhava em ter. A Coca-Cola que um bilionário compra é a mesma que operários de construção civil bebem no almoço.

É fácil notar que hoje em dia a própria sociedade civil retalia atitudes racistas contra negros. Depois de séculos de escravidão de negros e do total desamparo aos escravos recém libertos, temos uma sociedade integrada e sem conflitos raciais, que inclusive reage a manifestações de racismo que procuram rebaixar pessoas negras por sua cor. Se tornou comum até mesmo que pessoas vejam racismo onde não tem. Para que isso acontecesse, não foi necessário que houvesse cotas raciais, cotas sociais, nem nada disso

3- IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
As chances de passar no vestibular não estão relacionadas à cor da pele dos candidatos. Estão relacionadas a outros fatores, como acesso ao ensino, qualidade do ensino a que se teve acesso, inteligência, capacidade de memorização, esforço pessoal, etc. Se as cotas visam a igualdade de condições de passar no vestibular, devem adotar critérios que tenham relação com as chances de aprovação, e cor de pele não é um deles.

De qualquer forma, sonhar com igualdade de oportunidades é bobagem.

Se fala em igualdade de oportunidades para quê? Oportunidades não existem por si mesmas, são oportunidades para alguma coisa. As pessoas têm objetivos e preferências diferentes. Estas preferências e valorações são pessoais e subjetivas, não podendo ser medidas ou colocadas em uma escala oficial de comparação. Cada pessoa tem seus sonhos, seus planos de vida, e mede por conta própria o que vale mais a pena ser feito. Um adolescente pode sonhar em ser jogador de futebol, mas ter a precaução de dividir seu tempo entre treinos e estudos sabendo que pode não ser aceito em grandes clubes.

Se o objetivo é a igualdade de oportunidades de passar no vestibular, é preciso considerar os seguintes fatores:

- as pessoas têm características diferentes intrinsecamente ligadas à capacidade de atingir seus objetivos. Algumas são talentosas no que gostam e outras não são; algumas são inteligentes e outras não são; algumas deixam fatores externos atrapalharem a busca pela realização de seus objetivos, enquanto outras nem tanto; algumas são mais esforçadas, e outras são menos esforçadas. E por aí vai;

- algumas pessoas preferem ciências exatas, e outras gostam mais de ciências humanas. Algumas pessoas têm melhor desempenho em ciências exatas, e outras têm maior facilidade em ciências humanas. Alguns cursos são mais concorridos do que outros cursos. Alguns vestibulares são mais exigentes do que outros. Portanto, nem mesmo uma só pessoa têm chances iguais de passar no vestibular de Engenharia Elétrica e no vestibular de História da Arte. Não tem nem ao menos as mesmas chances de passar em Medicina na UFRGS que tem de passar em Medicina na ULBRA;

- cada pessoa passa por situações únicas durante a vida e lida com elas de forma única, de acordo com sua personalidade, inteligência, preferências, experiência, e aptidões em geral, que também são únicas. Acontecimentos da vida de uma pessoa podem favorecer ou desfavorecer a busca dela pela realização de seus objetivos. A forma como uma pessoa lida com as situações pelas quais passa também podem favorecer ou desfavorecer a busca dela pela realização dos seus objetivos.


*JOÃO FRANCISCO WINCKLER é acadêmico de administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Os black blocs amarelaram e os vermelhos esverdearam


Foto: Flickr/Creative Commons/Michael Kappel
A Copa do Mundo do começou e dentro de campo a seleção brasileira fez a sua parte, estreando com vitória. Do lado de fora, a expectativa ficou por conta dos protestos organizados pelos chamados black blocs, radicais que atacam prédios, policiais, jornalistas e interditam ruas, em nome de causas anticapitalistas e anti-sistema, essas coisas. E o que se viu, no entanto, foi o yellow da torcida brasileira ofuscar as cores de grupinhos que andavam se achando.

Fora dos estádios foram registrados alguns protestos violentos, inclusive aqui em Fortaleza, mas com muito menos gente e impacto do que nas manifestações ocorridas durante a Copa das Confederações, no ano passado. O povo deixou os radicais patetas sozinhos nas ruas, brincando de revolução. Sem um movimento alheio para se infiltrarem, os black blocs não passam de um refugo ideológico insignificante. Logo eles, que se imaginavam a vanguarda de um novo tempo. É que nas suas cabeças perturbadas, o rabo é que balança o cachorro.

Aplausos e vaias

Isso não significa que os brasileiros tenham esquecido a desconfiança em relação aos seus representantes políticos, deslumbrados com o torneio. Pelo contrário. Como eu disse no post anterior, para desgosto do governo, a Copa se tornou um potente catalisador das insatisfações populares que ensejam um desejo por mudanças, devidamente captado por recentes pesquisas eleitorais. Assim, no estádio Itaquerão (horrível, se comparado ao Castelão, diga-se), a mesma torcida que cantou o Hino Nacional com paixão emocionante, por diversas vezes ecoou uníssona palavrões contra a Fifa e contra a presidente Dilma Rousseff (PT) que disputará a reeleição em outubro próximo. Há, portanto, discernimento nessas manifestações que demarca claramente uma hora para aplaudir e outra para vaiar.

Quebrando a tradição, a presidente da República não discursou, prevendo, com acerto, a monumental vaia que tomaria. Na partida entre Brasil e Croácia, assim como no pronunciamento que fez à nação na terça, Dilma trocou o vermelho característico dos partidos de esquerda pelo verde. Assim como o preto dos radicais, o vermelho das esquerdas anda desbotando nos dias atuais. Quem não se lembra das bandeiras vermelhas sendo expulsas das manifestações de junho do ano passado? Como a eleição está chegando, ele agora dá lugar ao verde (cor utilizada, veja só, pelo matreiro PMDB).

O modo e a hora

Faço aqui um breve desvio. Alguns amigos, sensíveis que são, desaprovaram as ofensas dirigidas à presidente Dilma, por deselegantes e inoportunas. Para eles, nem o modo, nem a hora, foram adequadas, passando uma má impressão para o exterior. Ocorre que esse é um fenômeno sobre o qual não há muito o que se fazer, pois não existe um centro de irradiação. Antes, é um sentimento difuso e generalizado que se manifesta espontaneamente, sem líderes. Nem a oposição ousa tentar conseguir algum proveito direto, sob pena de serem os seus expoentes também vaiados. No fim, vergonha mesmo é roubar, e isso atualmente tem constrangido pouca gente. Ponto. Volto ao tema inicial.

Mais do que uma cor

Nesse jogo de cores e símbolos, sobressaiu-se o amarelo canário da Seleção e da torcida brasileira. Pelo que se viu na abertura da Copa, muito mais do que os tais black blocs ou os vermelhos sustentados com verba pública (tipo MST), serão os torcedores comuns vestidos de amarelo os mais temidos por aqueles que sabem o peso de uma vaia em ano eleitoral. É mais do que uma cor, é um sentimento em evolução.


* WANDERLEY FILHO é Historiador e colunista de política da Tribuna Band News FM 101.7

domingo, 8 de junho de 2014

Ser conservador não é “conservar” tudo como está


Quando Ferdinand de Saussure criou a linguística, partiu de um pressuposto quase autoevidente: o signo é arbitrário, ou seja, a palavra “mesa” não tem nada a ver com o objeto “mesa”. Se é uma obviedade e poucos seriam capazes de confundir nomes com coisas concretas, no terreno das abstrações seu pensamento ainda precisa ser melhor compreendido. Defender que pobres tenham casas de concreto não é o mesmo que concretismo, sugerir que prédios tenham estrutura rígida não é estruturalismo.

No terreno político, com paixões e ideologias rivais terçando armas pelo espaço do outro, a confusão se torna perniciosa. Num país em que a esquerda hoje é praticamente hegemônica, alguns discutem o que querem os tais “conservadores”, mas não perguntando às suas obras: tentam extrair o sentido de sua filosofia do próprio nome que deram a ela.

Formulada modernamente por Edmund Burke, a política conservadora remonta a Montesquieu, Cícero e à Bíblia, passa por escritores como Coleridge, Maistre, Hawthorne e Conrad, é o cerne do cuidado econômico de Mises e Sowell, é advogada por historiadores como Guizot e Johnson, é a filosofia de Voegelin e Scruton, é a resistência antitotalitária de Soljenitsyn ou Leddihn, a verve da sátira de Mencken, Kraus e Muggeridge, é o norte de estadistas admiradíssimos como Lech Walesa, Václav Havel, George Washington, Lincoln, Roosevelt, Piñera ou Merkel.

Foi brilhantemente definida por Russell Kirk como a política da prudência, relembrando Aristóteles: o cuidado com a coisa pública, a aversão à centralização de poder em prol de “bens maiores”, a desconfiança de soluções fáceis e “reformas sociais” irreversíveis e de consequências imprevistas.

Essa filosofia política não tem um Das Kapital para chamar de seu, sendo quase um descrédito na política – e quem é menos confiável no mundo do que um político?

Historicamente, o termo escolhido no calor da Revolução Francesa (que matou 40 mil em um ano) foi “conservador”, atentando a uma de diversas características desse pensamento. Poderia ser “moralizantismo”, ou “ceticismo político”.

O problema não é nem desconhecer uma filosofia ainda alheia ao país – o nefasto é acreditar que se pode descobrir o que é o conservadorismo apenas pelo expediente pedestre de se afirmar “conservador é quem conserva”. O desconhecimento de uma filosofia política é tratado como prova de que ela não existe além de uma conclusão apressada – o famoso ad ignorantiam dos retóricos.

Essa visão de que existe uma filosofia de esquerda e todos os conservadores são apenas ignorantes que querem manter tudo como está geraria efeitos bizarros se fosse levada a sério: um conservador que subisse ao poder após um revolucionário deveria deixar tudo como está, querendo sempre manter o tempo presente intacto – qualquer presente.

Assim se supõe que o conservador é ruim por querer manter intactas todas as injustiças atuais – quando é preciso mudar muito mais a política sendo de direita do que mantendo o estatismo inchado, o coitadismo penal, o Estado assistencialista centralizador, intervencionista e gastador do Brasil.

É óbvio que ser conservador é algo incrivelmente mais complexo do que supõe a esquerda – e ainda mais óbvio que não é possível compreender tal filosofia apenas através do que seus inimigos afirmam que ela é.


*FLÁVIO MORGENSTERN é analista político, especialista do Instituto Millenium e colaborador do site www.implicante.org.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Quando o interesse partidário está acima dos interesses dos estudantes

petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva, Pró-Reitor
de Assuntos Estudantis da UFRGS
O Movimento Estudantil Liberdade, precursor do ideário apartidário nas entidades estudantis, sempre denunciou os males da interferência dos partidos políticos nos interesses dos estudantes. Recentemente, a comunidade acadêmica da UFRGS se viu atingida por mais dois duros golpes proporcionados pela ingerência do Partido dos Trabalhadores (PT) dentro da universidade e, em ambos os casos, o personagem central foi o Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva.

Em razão do fato do atual Estatuto do Diretório Central dos Estudantes da UFRGS não estar de acordo com as regras Novo Código Civil, a diretoria da entidade convocou e realizou uma série de Assembleias, que teve ampla participação dos estudantes, para rediscutir o estatuto e adequá-lo às normas vigentes. A principal proposta referente ao Estatuto era assumir a Carta de Princípios do Movimento Estudantil Liberdade, grupo fundado por Gabriel Afonso Marchesi Lopes e outros estudantes da UFRGS em 2006, como balizadora dos princípios e das ações do DCE da UFRGS.

E-mail enviado por Ângelo ao CPD solicitando, sem
justificativa, o cancelamento da votação sobre o
novo Estatuto do DCE da UFRGS
A partir daí, uma série de propostas de Marchesi seriam adotadas pelo DCE/UFRGS como forma de democratizar a entidade máxima dos estudantes, sendo a principal delas o novo modelo de realização de eleições no âmbito do DCE, onde os estudantes poderiam votar nas eleições para o órgão e para os conselhos e câmaras superiores da UFRGS através do sistema de Portal do Aluno, onde o voto poderia ser efetuado a partir de qualquer computador conectado à Internet, tal qual já ocorre nas eleições para os representantes dos docentes e dos técnicos-administrativos.

Nota publicada pelo DCE sobre o caso
(clique para ampliar)
A votação dos encaminhamentos do novo Estatuto, que possibilitaria a maior democratização dos espaços estudantis, foi marcada, após os necessários debates com toda a comunidade acadêmica, para o dia 14 de maio. Tal votação já havia sido aprovada pelo Centro de Processamento de Dados (CPD) da UFRGS e não havia sido encaminhado ao DCE nenhum questionamento sobre a legalidade dela. Porém, de forma ardilosa e infeliz, o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva, fazendo uso indevido de seu cargo como Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, no dia 13 de maio, apenas 13 minutos antes de encerrar o expediente da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, enviou um e-mail ao CPD/UFRGS solicitando, sem maiores explicações e justificativas, que a votação fosse cancelada.

Assim, na manhã do dia 14 de maio, quando todos os estudantes da Universidade foram votar, se depararam com a mensagem de que a eleição havia sido cancelada. Os dirigentes do DCE/UFRGS também foram pegos de surpresa por esse maldoso artifício e prontamente se encaminharam à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis para pedir mais explicações sobre o ocorrido, porém, chegando lá, para a surpresa de todos, foram informados que o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva simplesmente havia saído de férias após realizar o ato que foi um verdadeiro atendado contra todas as estruturas democráticas do movimento estudantil da UFRGS.

Ângelo durante a campanha do PT para a Maria
do Rosário
Porém, por mais chocante que tenha sido tal ação, ela não foi inédita. Em 2012, o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva já havia feito algo semelhante ao impedir que as eleições para o DCE/UFRGS naquele ano fossem realizadas através do Portal do Aluno (clique aqui para mais detalhes). Infelizmente, por mais que os estudantes se mobilizem e trabalhem para aumentar a representatividade das entidades estudantis, através da implementação de sistemas digitais que possibilitariam acesso às discussões e votações de assuntos de interesse de toda a comunidade acadêmica, vemos que o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva, ironicamente ocupante do cargo de Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, está engajado em uma verdadeira cruzada contra os estudantes e contra a democracia, buscando com todas as forças impedir que tais sistemas digitais sejam implementados.

O segundo revés sofrido recentemente pelos estudantes diz respeito à volta do suco nos Restaurantes Universitários, uma antiga bandeira do Movimento Estudantil Liberdade que estava sendo levada adiante pelo DCE/UFRGS. Na UFRGS, não é segredo para ninguém que a gestão de Ângelo Ronaldo Pereira da Silva na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis é sofrível e deixa muito à desejar, sendo este personagem ocupante do cargo mais por laços de amizade com o Reitor Carlos Alexandre Netto do que por competência, sendo um dos principais problemas de sua medíocre gestão a má gerência nos Restaurantes Universitários. 

Com o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva à frente do órgão que gerencia os Restaurantes Universitários foi batido o recorde de 76 notificações de irregularidades por parte da Vigilância Sanitária e  pela primeira vez na história da UFRGS o Restaurante Universitário do Campus do Vale foi interditado pela Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS) de Porto Alegre por falta de condições sanitárias adequadas (clique aqui para mais detalhes), permanecendo fechado por 12 dias.

Ângelo e o Reitor Carlos Alexandre em um momento
de descontração com Maria do Rosário e outros petistas
No RU sob a responsabilidade do petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva foi constatado o péssimo estado de conversação em utensílios de cozinha como tábuas de corte, caixas plásticas e panelas. Havia ainda coifas e canos de condução e gás com acúmulo de gordura, fator que propicia a presença de insetos, baratas e ratos. Ainda, a estrutura física da cozinha apresentava problemas como forro aberto, ausência de porta na área de manipulação de alimentos, fossas abertas exalando fortes odores, acúmulo de água no piso em função de vazamentos no encanamento, ausência de barreiras físicas eficientes para impedir a entrada de insetos e encanamento sem conexão com esgoto. Foram observados ainda lixeiras sem pedal e com acionamento manual da tampa, teto sujo, acúmulo de sujeira embaixo das pias e ralos abertos. A câmara fria também estava superlotada de alimentos, aspecto que prejudica a conservação dos produtos, além de não haver produtos como álcool gel, sabão e papel toalha, necessários para a higienização das mãos dos responsáveis pela manipulação dos alimentos.

Assim, considerando que o petista Ângelo Ronaldo Pereira da Silva demonstrou não ter competência nem mesmo para garantir que a pia do RU esteja limpa, o DCE/UFRGS, ciente de um problema que já havia sido alertado pelo Movimento Estudantil Liberdade  (clique aqui para mais detalhes), tomou a frente das discussões sobre a volta do suco nos restaurantes universitários, entrando em contato com a empresa Sucos Petry, empresa com mais de 40 anos de mercado, para onde foram encaminhados os dados obtidos através da Divisão de Alimentos da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis. A empresa ofereceu a proposta de fornecer suco natural de laranja à R$0,89 por copo de 250ml aos estudantes. Tal proposta foi encaminhada à Universidade que, surpreendentemente, rejeitou sob o argumento de que havia “desinteresse da administração central na proposta”.

Enfim, por esses e outros motivos o Movimento Estudantil Liberdade repudia a ingerência de partidos políticos dentro das Universidades e entende que necessitamos de um novo Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, que seja comprometido com a democracia, com o atendimento das necessidades dos estudantes e com a melhoria dos serviços prestados.
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