Por Régis Antônio Coimbra*
É curioso como os "austríacos" - tão afeitos à análise objetiva ou formal dos fenômenos subjetivos relativos às escolhas individuais com efeitos coletivos - tendam a ignorar de modo incrivelmente solene os aspectos sociais e políticos. Suas modelagens sistematicamente evitam quantificações, como que se limitando a noções de proporção, de maior ou menor etc, o que considero aceitável, mas também ignoram na prática os fatores políticos que diretamente inviabilizam suas prescrições e tornam irrelevantes suas análises.
Em tempo: tenho grande simpatia pela tal escola. Até comprei (no último Forum da Liberdade) e usei a camiseta do instituto Mises Brasil (ainda semana passada). Mais: calquei-me muito em Mises e um pouco em Hayek num trabalho de conclusão de uma especialização em Especialização Direito E Economia. No entanto esbarro sempre no alerta que conheço pela origem talvez não muito nobre (não o vejo muito citado) de Barry Eichengreen em "A globalização do capital" (o autor aceita a análise histórica e "monetária", mas atribui a análise política - acho que equivocadamente - a Polanyi): após 1870 o liberalismo colapsou pela ampliação da participação política das classes baixas ou populares, o que tornou inviável aos bancos centrais focar estritamente na moeda, os governos incorporando (por meio dos bancos centrais) o crescimento e pleno emprego como política indispensável para a sustentação (eleição, reeleição) política.
Recentemente li um artigo de Leandro Roque¹ com uma análise sobre o Plano Real que provocou no próprio Gustavo Franco o seguinte comentário no Facebook: "É uma leitura curiosa: nunca tinha visto uma crítica ao Plano Real pelo fato de não ter dolarizado a economia."
Alguns comentaram no perfil de Gustavo que o autor do artigo era um grande admirador dele, que não era uma crítica ao que ele fez e eu comentei: "Também acho que o autor está, à sua maneira, defendendo o professor: o plano Real não rendeu tanto porque cedeu às pressões políticas pela cabeça de Gustavo Franco, hehe... o qual tentava manter (na análise do autor) uma dolarização. Mas até onde lembro, isso esbarra em declarações de Gustavo de que a coisa se encaminhava suavemente (com altos custos das reservas...) para onde lá pelas tantas, aos trancos e barrancos (pela percepção política de que as reservas não dariam), chegou."
Grosso modo, é um caso clássico de uma análise pela perspectiva da "escola austríaca", "de Viena" ou "psicológica" (mais conhecida como "escola austríaca", mesmo). O argumento básico é muito bom: as decisões econômicas precisam de um sistema de preços livres que permitam uma avaliação constante e coletiva do quanto vale cada bem ou serviço, de modo intrinsecamente dinâmico; qualquer tentativa de um jogador muito grande ou poderoso (como o estado) de intervir na economia gera ruído no sistema de preços, tornando menos confiáveis os dados (preços) sobre o valor de cada bem ou serviço e, assim, tornando mais arriscadas as decisões seja do próprio interventor (o estado, tentando seja planificar a economia, seja meramente a "turbinar" em termos de crescimento e pleno emprego), seja de cada agente, como os empresários, aumentando a recorrência e gravidade das crises cíclicas.
Entre vários desdobramentos dessa análise fundamental, de Mises, uma série de extrapolações desses teóricos vão no sentido de uma mínima (ou nula no sentido de qualquer plano deliberado) intervenção do estado na economia. O estado já causaria problemas demais simplesmente por ser grande ou poderoso demais, não deveria aumentar ainda mais o problema tentando, quiçá com as melhores intenções, ajudar. No caso brasileiro do Plano Real, deveria ter aproveitado para abandonar qualquer tentação de manipulação monetária, renunciando a uma moeda própria estatal (nacional). O Panamá é apontado como "grande" exemplo de um país que fez isso e sobreviveu.
Não precisa muitos cálculos para "predizer" o que teria maior risco de ocorrer com uma efetiva adesão do Brasil à estratégia atribuída ao Panamá. Primeiro, Itamar Franco não permitiria e Fernando Henrique não se teria eleito. Segundo... por que discutir o "segundo"?
Uma forma mais suave de dolarizar a economia seria manter a paridade do real com o dólar, sujeita, claro, a pressões e apostas tanto monetárias quanto políticas. Isso a rigor não é uma hipótese, é também uma fase do plano Real, inclusive conforme análise do artigo. O fantasma explícito não é a dívida externa, é a balança de pagamentos. Os agentes efetivos escondidos sob tal fantasma são o enorme custo do estado brasileiro (comparado à sua economia) e o ainda maior poder de fogo dos especuladores (ou tomadores de risco, hehe...) globais (muitos locais...).
Então, supondo que as análises "austríacas" estejam certas, suas predições são absurdas e a questão é: qual a efetiva pertinência de suas análises? Elas são elegantes precisamente porque ignoram o cipoal "político" e a pirotecnia "matemática". Mas consideram adequadamente o que a política e a modelagem econômico-matemática oferecem?
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*RÉGIS ANTÔNIO COIMBRA é filósofo e advogado formado pela UFRGS. Especialista em Direito e Economia e, atualmente, é Acadêmico da Licenciatura em Dança pela UFRGS.
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